quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um pedaço grande de mim

(Este texto foi publicado nas Notas do meu Facebook no mês de maio. Agora publico aqui porque se trata de um pedaço importante da minha vida)
Não sou pessoa de ter ídolos. Nunca fui, nem sequer na adolescência quando atrizes/atores, cantores e gente do mundo do espetáculo ocupam um lugar importante na nossa vida. Nem sequer, tão pouco, do ponto de vista familiar (fica sempre bem dizer que a mãe ou o pai é o nosso ídolo) ou profissional. No âmbito familiar a minha avó paterna ocupa um lugar de grande destaque e, agora que escrevo isto, talvez seja o único ídolo que se perpetua na minha vida. Na minha profissão, uma das áreas que mais valorizo, tendo imensas fontes de inspiração, quer por serem figuras centrais, reconhecidas em todo o mundo (desde a mitológica Florencce Nightingale ou aos inspiradores Carl Rogers e Jean Piaget aos modernos autores de enfermagem e de psicologia, passando por todos os intermédios como a minha teórica preferida, Jean Watson), quer por se configurarem como modelos do que é ser enfermeiro, e professor de enfermagem (e aqui sou rica, tendo recebido influência de muitas pessoais das quais não posso deixar de nomear aquelas em que um dia eu soube que queria ser também assim: Ana Paula Amaral; Sacha – Maria Saavedra de Bruges; Jesuína Varela; José Amendoeira; Isabel Estrela Rego; Ermelindo Peixoto), também não existe um ídolo. Não no conceito habitual de ídolo.
Dou um pequeno passo atrás e ao lado para retomar o que se configuram habitualmente como ídolos – pessoas distantes que admiramos como fazemos com o sol, mas que precisamente como o astro, estão demasiado longe e se nos aproximássemos queimar-nos-íamos – e reafirmo que nunca os tive. Sempre gostei de música. Do que oiço contar, desde bebé. É algo familiar, havendo histórias de, ainda em criança, haver quem se ajoelhasse perto do rádio para ouvir alguma canção enquanto chorava. Não fui eu! Efetivamente fui uma criança durona. Como testemunha a minha família que um dia já foi grande, em criança sentava-se avó, pais, tios, primos, em meu redor, e eu cantava. Não me recordo bem o quê mas sei que a Amália Rodrigues e a Maria de Lourdes Rezende estavam no repertório. Recordo que o “Fado do Cacilheiro” era obrigatório. E a música clássica fez sempre parte da família.
Na puberdade entram de repente (como quase tudo na puberdade) várias canções e cantores: Simone de Oliveira com “A Desfolhada” e, para mim, o ainda melhor, “Sol de Inverno”; Green Windows; Gemini; Cocktail; Doce; Paulo de Carvalho. Penso que estes eram os principais. Do estrangeiro, imensos. Num país em que, essencialmente, só se ouvia música anglófona, ter fixado os portugueses acima já foi alguma coisa… E também chegou Edith Piaf, Joe Dassin, Charles Aznavour e Art Sullivan. De língua inglesa vieram todos os outros, impossíveis de enumerar aqui. Dos quais, estranhamente, não constam os Beatles (ainda que posteriormente tenha gostado muito de Paul MacCartney – a este devo o meu primeiro casamento, salvo seja, e é outra história – e de John Lennon) E de Espanha apenas um: Camilo Sesto.
Era na sala da minha casa, mais tarde também na garagem, que eu com algumas amigas muito selecionadas (para ter permissão de entrar na minha casa era mais difícil do que no Palácio de Belém ou na própria Base Aérea nº 4 e que não nomeio porque não sei se gostarão mas se lerem isto, saberão que me refiro a elas) nos juntávamos para ouvir as canções e falarmos daquelas coisas que as meninas com as hormonas aos saltos falam. Uma dessas amigas, já eu era mais entrada nos “teen” vinha a minha casa e dizia-me “Paula, canta-me os ABBA”. Nunca me pediram para cantar em francês ou em espanhol. Talvez por isso eu nunca tenha aprendido esses idiomas. Quero dizer, o espanhol estou agora a aprender por motivos muito fortes. Mas a par de ótimos professores, em conjugação com um ouvido treinado na televisão americana, o de berço “Channel 8” da Base das Lajes, os ABBA foram uma forma muito boa de aprender inglês.
Destas vivências formulo o meu TOP TOP TOP, que atualmente eu refiro como TOP 5 e que significa que eu gostava de todas as suas canções conhecidas. Com sinceridade, não são todas. Mesmo dos que ocupam os dois primeiros lugares (e são 2 em ex aequo), há duas canções, uma de cada, de que não gosto. Mesmo nada. E dos que ocupam as posições seguintes há algumas que não me agradam. Mas são o meu TOP porque gosto de quase todas, mesmo quase todas.
Meu TOP 5
1 – ABBA/Camilo Sesto
2 – Bee Gees
3 – Lionel Richie
4 – Cliff Richard
5 - Donna Summer
Assim, este TOP é constituído por cantores de língua inglesa. Apenas Camilo Sesto não o é ainda que cante (muito e bem em inglês, além de o fazer também em português – do Brasil -, italiano, francês e alemão).
Mas nenhum foi meu ídolo. Dos ABBA a minha preferência foi sempre Agnetha Fältskog pela linda voz e ar angelical. O grupo terminou quando ainda eram muito escassas as publicações em Portugal sobre o mundo das canções. Penso que terei sabido que os ABBA já não existiam talvez meses depois disso suceder e foi um desgosto muito, muito grande. É já no mundo da internet que descubro muitos anos depois (e há muitos atrás) de que uma das razões de rutura foi precisamente Agnetha. Hoje tenho todos os livros que pude encontrar dela e do grupo e entendo perfeitamente as suas razões. Serão sempre os meus ABBA e ela a angelical “golden hair girl”.
Camilo Sesto. Camilo é outra história.
Chega à minha vida como, possivelmente à de todos os portugueses com “Quieres ser mi amante?” Para uma miúda de 12 anos é um título forte. Na minha cabeça “amante” queria dizer simplesmente namorada. À boa moda dos Açores não me passava pela cabeça que ele se referisse ao estado de “ser ameigado”. Na minha casa isso era inconcebível. No meio das frases que eu apenas intuía pela proximidade entre o meu idioma e o do artista, quando eu acabava de viver um amor de Verão que estava a mais de 1000 Km de distância, “ni estando lejos te olvido”, era a minha frase. Estávamos em 1976 (a canção é bastante anterior mas talvez as coisas chegassem a nado aos Açores…) e eu tinha acabado de fazer 12 anos.
Posteriormente chega a Portugal as outras duas canções que eu penso que, depois desta, tenham sido mais conhecidas por cá, “Melina” e “Algo Mais”. Infelizmente para nós Camilo Sesto nunca esteve em Portugal. Durante a sua fulgurante carreira fazia-se acompanhar pela sua banda, Alcatraz, que com mais de 40 músicos, pode ter complicado contratos e acordos de custos com o nosso país (afinal eram todos profissionais a quem havia que pagar salários). Enquanto o seu nome ficou bem estabelecido noutros países europeus além de Espanha, nas Américas e no Japão, nós não tivemos o privilégio de o ter nunca em palco. No Brasil, sim, esteve, nomeadamente no Festival da OTI em 1973.
Segui a sua carreira até 1983 ou 1984 quando a minha entrada na Escola de Enfermagem e depois no mundo profissional (entre outras razões) me afastam muito destas preferências, o que basicamente coincide com a retirada do artista após o nascimento do seu filho numa opção de se tornar pai a tempo integral.
Mas Camilo Sesto não foi também meu ídolo.
Houve uma tentativa de ter um poster dele nas paredes do meu quarto como tinha de outros artistas. Mas foi-me mais ou menos comunicado de modo mais ou menos formal que não era permitido “aquele” poster ali. Se eu o publicasse aqui compreender-se-ia porquê. Numa família tradicional em que todos eram anjos (não por bondade mas por não ter sexo), um poster assim nas paredes era meio caminho andado para a perdição. Eu teria de redescobrir Camilo Sesto depois dos 40 anos para descobrir qual era o problema do póster. Ó santa inocência!!!!
O seu nome “Sesto” sempre me soou algo estranho. Não necessariamente desagradável. Eu gostava demasiado de tudo o que cantava (menos uma canção!) para que o nome me desagradasse. Mas era estranho. Porém, num mundo onde existiam grupos chamados “Doce”, “Cocktail” e por aí fora, “Sesto” era só uma forma aproximada de um numeral.
Reitero. Camilo Sesto não foi nunca um ídolo para mim.
Eu era sua fã, iniciei um clube de fãs, tanto quanto sei, o único português, na “Crónica Feminina”. Era outra mania minha. Quando não havia redes sociais eu tinha um clube de fãs de um cantor espanhol e um clube de correspondência. Tudo publicado na Crónica Feminina. Pergunto-me se ainda existirão amizades feitas nesse clube ou até casamentos. Cheguei a ter de escrever mais de 100 cartas por semana para todo o mundo. Houvesse dinheiro para o correio. Mas esta também é outra história.
Quando me dou oportunidade de a música voltar á minha vida, redescubro Camilo Sesto (estranhamente - ou não - os Bee Gees e os ABBA nunca se afastaram). Sei do seu projeto “O Fantasma da Ópera”, sigo o lançamento dos seus últimos CDs, nomeadamente “Alma”, “Número 1” e “Todo de Mí”, sonho em ir a Viña del Mar em 2004, quando arrasou literalmente o júri e os espetadores arrecadando todos os prémios possíveis mas, é quando anuncia a sua retirada e a sua última presença em palco em Espanha em 2010, que levo o susto de compreender que nunca o veria pessoalmente nem assistiria a um concerto seu. Foi um desgosto. Grande. Como quando os ABBA se retiraram. Mas num mundo mais pequeno e global como o atual não fazia sentido. Todavia, não pode mesmo ser.
Entretanto, o clube de fãs tinha sido recuperado, graças ao Facebook (pode ter muita coisa má mas tem também do melhor deste mundo). Sinceramente não sei se sucedeu em Maio. Porém, por algumas, outras e boas razões, associo este mês a Camilo. E pelos vistos não sou só eu pois o dia 28 de Maio é o Dia de Camilo Sesto no Estado do Nevada, EUA. E talvez, como Camilista, ainda se seja muito feliz em meses de Maio…
É em Maio que eu tenho o meu primeiro ídolo. Mas não é Camilo Sesto.
Camilo Sesto é o nome artístico de Camilo Blanes Cortés.
Qualquer simples busca no Google ou outro motor de busca que eu não recebo nada pela publicidade, mostra quem é (já agora no grupo  Camilo Sesto - Fãs de Língua Portuguesa também): cantor, compositor, letrista, poeta, ator, tradutor, pintor, produtor – e muitos “ores” mais. A sua interpretação do papel de Jesus em Jesus Cristo SuperStar é lendária e alvo de estudos especializados. O estrondoso número de êxitos e de canções que figuram em primeiro lugar dos TOP em diferentes países também se encontra facilmente. Tudo o que houver de mais honroso e público sobre Camilo Sesto está aí em todas as fontes possíveis e imaginárias. É só procurar. Desse sou fã.
O meu ídolo é Camilo Blanes (para evitar enganos de interpretação, explico: o pai. Em Espanha e nos países hispânicos, o nome paterno é o primeiro a seguir ao nome próprio – o inverso de Portugal, dos países lusófonos e dos demais países ocidentais – e clarifico, o pai, porque o seu filho é seu homónimo, ainda que no caso deste, seja igualmente o nome artístico). Perguntar-se-á “Mas Camilo Sesto e Camilo Blanes não são a mesma pessoa?” e eu respondo: sim e não. Não vou explicar. Só afirmo que o meu ídolo é Camilo Blanes [Cortés].
É em Maio de 2014 que tenho a oportunidade de o conhecer em carne e osso. De vê-lo à minha frente em palco, ainda que esse palco seja o plateau de uma televisão. É público e o que é público eu posso dizer (o que não é, morrerá comigo – afinal já há gente demais que por um espirro afirma essencialmente que dormiu ou dorme debaixo da cama de Camilo). Vê-lo entrar foi algo surreal. Camilo mede 1.86m mas a perceção que eu tive foi de ver entrar um gigante (que o é artística e metaforicamente). Literalmente. Mal sabia eu que confirmaria que o é também do ponto de vista humano – El Blanes.
E foi pela sua dimensão humana, “El Blanes”, que se tornou meu ídolo. Como o são as pessoas que fazem o favor de ser minhas amigas e de permitirem que eu seja delas. Tudo começou no mês de Maio; a ida à televisão (estranhamente não me recordo nem tenho registado o dia do programa – se alguém souber, diga-mo por favor que eu agradeço – os acontecimentos exultantes não têm historia e, depois, atrapalhamo-nos e esquecemos datas) e uma das notícias com mais impacto na minha vida (esta a 12). Posteriormente, com a situação de saúde que me assolou e em que a morte espreitou diversas vezes, mais ainda esta posição se firmou para mim. Foi Deus onde está, o meu cirurgião em Ponta Delgada em conjunto com a equipa de enfermagem do serviço de Cirurgia III do HDES que me salvaram a vida. E, sem dúvida, a minha família (agora pequenina, o meu marido, o meu filho mais novo, a minha mãe e os meus primos, Liliana e Jorge), Camilo Blanes – que passou a ser oficialmente o Meu Anjo Azul - e os meus amigos de coração, portugueses e estrangeiros. Estes foram quem me salvaram e deram vida (é uma redundância mas hoje quero-a).

Deste modo, o mês de Maio é para mim o mês do meu ídolo. Além de continuar a ser, como tem sido, desde que está na minha vida, o do meu marido, por ser o mês do seu aniversário. Sorrio enquanto imagino a pergunta de quem me lê e que com alguma frequência me fazem “E ele [ou o Jorge; ou o teu marido; ou o seu marido] não tem ciúmes?” E pela primeira vez eu respondo em público o que tenho respondido a quem me faz a sacramental pergunta: “Não. O meu marido é muito inteligente. Se tivesse ciúmes ficava com dois problemas.” E efetivamente o meu marido é demasiado inteligente (cognitiva e emocionalmente) para ter ciúmes do meu ídolo. Não foi por acaso que só do 3º marido eu aceitei o apelido. O Jorge é “El Amor de Mi Vida”, a pessoa que me dá a estabilidade de que eu necessito. Ou seja, a maior riqueza que eu posso ter, porque a minha veia de inquietação e de loucura (de “fresa salvaje”) necessita assim deste porto seguro (não é coincidência que tenha sido a primeira cidade que conhecemos no Brasil). Mais do que de qualquer outro tipo de riqueza. Com isto e saúde eu sou feliz. No mês de Maio. E em todo o ano.

2 comentários:

  1. Adoro ler o que escreves e a forma como o fazes. Devias escrever um livro e publicar. Beijinhos

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