Ontem tive mais uma experiência destas que eu continuo a ter
esperança de pararem um dia. Que eu possa ter estabilidade sem nunca saber
quando vou visitar um hospital. E que me confirmam que a viajar é para onde
hajam cuidados de saúde de segurança. De modo que alguns países terão de
esperar não só por melhoria financeira mas que a minha saúde pregue menos
sustos.
Chegámos a casa da minha prima-irmã (só não é filha do mesmo
pai e da mesma mãe, mas é mais velha do que eu 7 anos e meio, quando eu nasci
já vivia na nossa casa pois veio com 18 meses, de modo que a Liliana é irmã de
coração e criação) perto da meia-noite. Levámos mais de 1 hora entre o Areeiro
e a Ponte Vasco da Gama. Em casa daa minha prima come-se divinamente. Havia uma
canjinha a que eu não resisti. Ainda olhei para o pedaço de perna de frango
caseira e sabia que o tinha de mastigar bem. Mas com o dessossego de falar (bem
que somos ensinados a não falar com comida na boca!) com a Liliana e a minha
mãe, escorregou-me pela garganta abaixo. Senti que estava entalada. Não me
afligi demasiado mas fui fazer as manobras de vómito. Não saiu. Pelas 2 da
manhã fui deitar-me e acabei por adormecer pois estava cansadíssima. Acordei e
continuava entalada. O Jorge ainda tentou que eu comesse a papa de fruta do pequeno-almoço
mas vinha tudo para fora. A água também vinha para fora. O meu cirurgião em
Ponta Delgada já me tinha dito que quando isso suceder devo beber Coca-Cola. Mas
eu não queria porque há 1 mês sucedeu-me e a bebida esfolou-me a garganta toda,
acabei afónica e com uma faringite. O Jorge disse-me para fazermos Reiki. Eu
estava muito ansiosa e ele falar-me nisto agora fez-me chorar. Ele é praticante
de modo que o fizemos os dois. Adormeci de novo. Mas quando acordei lá estava.
Tinha que ir á Coca Cola. Tudo o que tentei beber saía. Desta vez conseguia engolir
a saliva; às vezes nem isso. O efeito da Coca Cola é horrível, sinto-me afogar.
Mas não resolveu. Estava com muito receio de ir ao hospital. O que se ouve dos
algarvios nem sempre é muito bom. Mas sabia que assim acabaria por desidratar.
Na minha mente tentava pensar como resolveriam o assunto. Não fui procurar na
internet, penso que nem sei como o devia fazer. Então, pelas 17 horas, decidi
ir. A Liliana acompanhou-nos. Fomos para Portimão. A triagem foi rápida com uma
enfermeira atenciosa. A administrativa é que me pôs de pé atrás com a sua “simpatia”.
A indicação era que a pulseira amarela demorava 30 minutos. Esperámos 1h10m e
acho que entrei porque a minha prima se meteu pelo serviço dentro e reclamou. Entraram
pessoas que estavam atrás de mim e eu já estava a perder o pio que é a minha
primeira fase de ansiedade. Fico calada. Reparava em tudo á minha volta e já
sabia que não há gastroenterologista nesse hospital. A recordação que tinha do
Hospital do Barlavento Algarvio não era essa e estava a sentir-me insegura,
inquieta para sair dali e ir para Lisboa. Ao menos tinha por onde escolher.
Depois da minha prima ter reclamado saltou-me a tampa porque
lhe disseram que já tinham chamado e nós não ouvimos. Pois se não se ouve! Mas estávamos
em frente à porta. E não, não tinham chamado. Quando cheguei perto do médico
respondi-lhe meio torto. O médico é Argentino, Dr. Abel (não me recordo do
último nome) e foi adequadíssimo no seu trato comigo. Tanto que me acalmou
imediatamente. Mais tarde perguntar-me-ia como me tinha acalmado tão
rapidamente e eu respondi-lhe:
- Porque o senhor sabe falar com as pessoas e vejo que
também sabe o que está a fazer.
Ele perguntou-me se isto já me tinha acontecido antes e se
tinha bebido algo com gás.
Palpou-me o abdómen, disse que a vesícula estava muito bem
mas havia sinais de defesa no epigastro. Perguntou se tínhamos meio de
deslocação porque para as ambulâncias estava caótico e a gastroenterologia só
funciona até às 21 horas. Eu pedi a sua opinião quanto a ir para Faro ou para
Lisboa. Ele disse que ficaria ao meu critério mas que em Faro seria bem atendida
e perguntou-me se eu queria que ele falasse com o gstroenterologista de serviço
aí. Sim, eu quis. Ele telefonou na minha presença, explicou a situação e depois
passou uma carta para entregar no SU de Faro. Ainda lhe perguntei se seria com
anestesia e ele disse que sim, que ninguém tem que sofrer nos dias de hoje.
Para o Jorge uma endoscopia é feita com a maior facilidade. Eu continuo a achar
um horror. De modo que seguimos para o Hospital de Faro eu antecipando o alívio
da situação e sem as agonias que a entubação me faz.
Em Faro foi tudo rapidíssimo, entrar, admissão, triagem e
chegar ao serviço de endoscopia.
O médico, Dr. Bruno Peixe, logo me agradou no seu trato e explicou-me
que se tentaria sem anestesia. Fiquei apreensiva, mas o que fazer?
Não conseguiu. Apesar de muito calmo, extremamente humano
dizia-me “Vamos querida, para não termos de anestesiar.” Ainda viu que havia “impacto”,
assim se chama, eu não sabia. Ou seja, um pedaço de comida no final do esófago.
Da assistente operacional nada a dizer e a enfermeira, Telma
Sebinha, simplesmente uma profissional extremamente humana. Agora divido assim:
enfermeiros que me honrariam em ser meus alunos e os que me envergonhariam.
Claro que está no primeiro grupo.
Chamado o anestesista, chegou em menos de nada. Entretanto o
gastro explicava-me que isto sucede em gastrectomizados mas também em pessoas normais,
nestas especialmente com ossos e espinhas. Confirmou comigo se a carne não tinha
osso. E explicou-me algo que eu também não sabia: sucedendo, é vomitar para
expelir, não resolve, bebida com anidrido carbónico, não resolve, hospital,
pois é uma situação mais urgente do que uma hemorragia pelo risco de necrose. Eu
já estava assim há mais de 18 horas. Tanto que ele me priorizou relativamente a
outro doente. Deus pôs as mãos. Ou o Reiki. Ou algo. Ou simplesmente também me
acontecem coisas boas.
A enfermeira tentou puncionar veia no sangradouro direito. As
minhas veias não ajudam ninguém porque além de nunca terem sido boas, estão
muito calcificadas por tanto terem sido puncionadas, ainda que tenham melhorado
bastante com a natação. Conseguiu no sangradouro esquerdo. O garrote também é
dos de borracha mas com uma enfermeira
assim, ela podia ter apertado de modo diferente ou picado mais vezes porque o
desconforto físico é extremamente atenuado se for por uma pessoa que nos trata
como seres humanos. E isto eu quero que os meus estudantes o saibam. E todos os
profissionais. Sinto-me na obrigação de explicar isto aos enfermeiros para os
quais eu contribuo na sua formação. É a relação humana que estabelecem com as
pessoas que fará toda a diferença para estas enfrentarem o que quer que tenham
de enfrentar.
O anestesista, Dr. Alexandre Buketov, muito simpático,
humano e carinhoso também.
Ainda vi a grande seringa de Propofol, o anestesista
disse-me “até já, Ana Paula” (Acho que todos dizem) e lá fui eu, primeiro
sentindo a cara aquecida e a picar (não me recordo de esta sensação de outras
vezes) e depois apagar, mas não é incómodo. Tento sempre nesse momento pensar
em alguém que amo muito. Ou numa situação muito boa. Na primeira intervenção cirúrgica
o meu grande medo era a anestesia. E tinha planeado o momento de indução. Desta
vez foi Nossa Senhora de Fátima e a minha experiência mística de Fátima em
abril que me veio à mente: “Não tenha medo, eu estou sempre contigo.”
Acordei com a assistente operacional a mostrar-me o pedaço
de carne. Achei enorme mas tanto o médico como a enfermeira me disseram que já
viram muito maiores. Soube que tenho uma ligeira, foi a palavra que o gastro
usou, estenose (aperto) da anastomose (ligação entre duas partes anatómicas que
originalmente não existia) esófago-jejunal (o esófago liga-se ao jejno, de modo
artificial,feito em cirurgia), que é uma situação fácil de resolver por via
endoscópica e no seu relatório aconselha, consoante as minhas queixas, ponderar
dilatação.
Claro que os meus cuidados com a mastigação têm mesmo de ser
redobrados para evitar outros episódios. Tinha-me sido explicado em Ponta
Delgada que com o tempo diminuiriam. Este ano já me sucedeu 3 vezes, desta
chegando a este ponto. Pela gastrectomia sim, diminuiria porque o duodeno se
adapta. Mas neste caso a estenose, como complicação tardia, pode estar a
atrapalhar. Seja como for, comer devagar, muito devagar (se não tiver tempo
como sucede em épocas de muito trabalho, é melhor nem comer), mastigar muito
bem (até os sólidos se tornarem líquidos) e ter os cuidados no caso de suceder.
Saio da situação anestésica bem. Só na primeira vez tinha
muitas dores e foi o primeiro embate com a desumanidade dos enfermeiros do
hospital de Lisboa pois a enfermeira desata a brigar comigo por ter dores “estas
operações doem muito, o seu médico devia ter-lhe dito”. “Pois, não disse e
agora? Posso ter um analgésico?”, perguntava-me a mim mesma. O que acabou por
suceder, claro. Então eu não refilava e tinha acabado de despertar. Hoje não me
calo. Não aturo falta de profissionalismo nem de humanidade seja de quem for. Quem
não souber lidar com pessoas que vá trabalhar com computadores.
Mas não quero estragar a boa impressão do atendimento em
Faro.
Fiquei um pouco deitada até quase terminar o soro, o médico
a explicar-me coisas e simplesmente a conversar. Sem pressas. A enfermeira
também a conversar comigo. Ela veio trazer-nos à porta exterior do hospital, eu
na maior, acordada, bem-disposta, aliviadíssima por já não estar entalada (ou
melhor, impactada) e por possuir instrumentos para lidar com a situação.
Sabendo o que se passa a ansiedade diminui muito. Fiz questão de me despedir
com beijinho e a cumprimentar pelos cuidados que me prestou.
Na alimentação, ontem só podiam ser líquidos, hoje é
pastoso. Bebi caldo de frango e sumo, além de água, claro.
Nenhuma experiência em hospitais é algo que desejemos muito.
Não desejamos nada, de verdade. Mas tudo o que me suceda que seja assim. Penso
que nunca fui tão bem cuidada por uma equipa. Estão de parabéns e quero que isto
se saiba.
Muito bem. Rápidas melhoras, um beijinho grande.
ResponderEliminarObrigada :)
EliminarBeijinho!
Ainda bem que encontraste gente boa e profissional...como fazem a grande diferença para os doentes! Precisamos de muitos mais por todos os hospitais...sinto muito o que estás sofrendo querida amiga!
ResponderEliminarMuito obrigada Délia :)
EliminarUm beijinho minha amiga <3
Meu Deus... dói-me tudo até ao estômago, só de ler... Rápidas melhoras, e que nunca mais aconteça!!! Beijinhos!
ResponderEliminarObrigada Nany :) Beijinhos <3
ResponderEliminarAinda não tinha lido, mas foi bom dado o estado em que me encontro. Acho que ia logo começar a chorar. Já passou amiga. Beijinhos <3
ResponderEliminar<3
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