(Igualmente publicada em Nota do Facebook, é a singela homenagem a quem é muito muito grande)
No próximo dia 14 cumprem-se 25
anos do meu início de funções na então Escola Superior de Enfermagem de Ponta
Delgada e a minha mudança definitiva para São Miguel.
Então, o que hoje é um Departamento
da Universidade dos Açores (UAc) era uma organização completamente autónoma e o
contato com os docentes da universidade e mesmo com os órgãos de gestão era
mínima.
O meu conhecimento do Professor
Doutor Ermelindo Peixoto era apenas do que escutava. E sempre que se falava
nele, pelo menos na minha perceção, era de alguém muito competente, exigente,
mas distante. Havia algo de reverente mas também de temeroso.
Vi-o pela primeira vez, com a
certeza de quem era, na arguição de uma tese de doutoramento. Fiquei fascinada.
Há tempos que queria desenvolver a minha tese de doutoramento num determinado
tema (há anos que sabia o que queria), pensei, ou melhor, senti “Encontrei o
meu orientador!” O pormenor, a exigência, a cientificidade, a coragem da sua
intervenção foi algo com que me identifiquei; tinha tudo a ver comigo, com as
minhas necessidades da parte de um orientador (já tinha experiência suficiente
com orientadores para saber o que queria e o que não queria neste fator que,
para mim, é o mais importante no sucesso de um empreendimento desta natureza e
vastidão).
Contudo, passaria algum tempo e foi
o meu filho mais novo, na sua licenciatura em Psicologia, que foi aluno, antes
de mim, do Professor Ermelindo Peixoto. O Diogo tinha um respeito muito
profundo, bem como carinho e consideração por este professor que reconhecia
como muito exigente mas extremamente humano. E tudo o que o meu filho estudava
ou desenvolvia para as unidades curriculares do Professor Ermelindo, era com o
maior empenho e motivação.
Chegou o momento de eu avançar
mesmo como meu projeto de tese. Segui todos os procedimentos que me foram
indicados mas eu queria aquele tema. E Aquele orientador. Temia que o tema não
se enquadrasse nas suas áreas e não me aceitasse. Por isso li tudo o que tinha
publicado e que estava disponível. E enquadrei os temas na problemática central
do que seria a minha tese.
Na abordagem aos orientadores o
primeiro encontro foi com a Professora Isabel Estrela Rego (eu queria uma
investigação de natureza mista e imediatamente esta Professora com quem a
comunicação foi, desde o primeiro momento, fluida e afável, se mostrou uma
bússola numa orientação sem mácula, mantendo-me na rota conceptual e
metodológica).
Finalmente, chegou o dia de bater à
porta do gabinete do Professor Ermelindo Peixoto. Algo ansiosa porque temia que
não aceitasse orientar-me, porque no meu imaginário era tão grande e distante
que ía lá querer saber de mim! Bati literalmente à porta. Pontualíssimo, como
sempre. Outra característica que eu privilegio imenso. Seria a primeira vez que
lhe falaria pessoalmente. Quando aceitou orientar-me senti-o como uma das
conquistas mais importantes da minha vida (hoje, entendo-o literalmente como
uma bênção). Não sei quanto tempo demorou esta primeira reunião. Mas saí ainda
mais motivada, o Professor mostrou entusiasmo pelo tema, enquadrou-o, lançou-me
desafios. Vim embora com a certeza de que iniciara algo muito sério mas com um
grande conforto cognitivo e emocional porque me fez sentir sempre bem,
aumentou, como já referi, a minha motivação, e também, a minha auto estima e a
minha perceção de autoeficácia.
Em cada reunião eu saía mais forte.
Era desafiada do ponto de vista cognitivo, conceptual, até de cultura geral.
Como alguém muito bem disse na sua homenagem de anteontem, o Professor Ermelindo
sabe de tudo, a sua cultura é vastíssima, domina diversas áreas do saber
(Direito, Filosofia, Psicologia, História e, acrescento eu, escreve muitíssimo
bem, sendo igualmente muito exigente neste particular) e para mim era um
desafio constante, no melhor dos sentidos. Eu fazia perguntas e saía com
respostas e ainda mais perguntas, o que é característico do magistério de um
Grande Professor. Aprendi imenso! Porque o Professor Ermelindo Peixoto sabe,
magistralmente, conduzir o nosso percurso de modo que seja um caminho de
compromisso, responsabilidade, de formação, autoformação e construção – com ele
o que vem nos manuais materializa-se: o estudante é o responsável pela sua
aprendizagem. E ele está lá, sempre, para nos amparar, desafiar e empurrar para
a frente no que é o nosso caminho epistemológico.
Era tão recompensador enviar o que
era produzido e recebê-lo, receber o seu feedback em tempo tão imediato. Nunca
soube o que era a angústia da espera e do incógnito (o que é muito desmotivador
e eu já experimentara noutras formações). Do Professor Ermelindo Peixoto tive
sempre o respeito e a consideração de me responder, de trabalhar ao meu lado e
de exigir muito de mim. O meu orientador estava a ser tudo o que eu esperava e
a superar em muito as minhas expectativas. Tantas vezes pensei que queria ser
uma professora assim!...
Quando eu saía das reuniões
(agendadas e cumpridas com pontualidade e zelo), tinha os pés fora do chão e
recomeçava com todo o entusiasmo a produção científica. A investigação cada vez
me fascinava mais e os meus orientadores, aqui nesta nota, muito
particularmente o Professor Ermelindo Peixoto, alimentavam continuamente o
enorme prazer do meu percurso heurístico.
Sempre recordarei o que sucedia: o
Professor Ermelindo, sempre afável, sempre cavalheiro, nas correções “corta a
direito”. Então, confesso (e já lho contei pessoalmente), quando recebia as
suas correções, ficava algo ansiosa com o que leria (havia muito reforço
positivo, claro, a crítica sempre construtiva, mas alguns “puxões de orelhas”).
Lembro-me de uma correção em que escreveu “Não acredito que a Ana Paula
escreveu isto!!!” e eu li e também não acreditei – estava tão mal escrito que
nem eu mesma compreendia o que escrevera. Que vergonha!!! E pensei
imediatamente: “Paula, isto é o que os teus estudantes devem sentir”, porque eu
sou muito assim nas correções. Só espero que eles possam aprender comigo 10% do
que aprendi com o meu orientador. Dar-me-ia por muito feliz.
Em momentos da vida pessoal muito
complicados que quase interromperam o meu doutoramento, o Professor Ermelindo
também esteve à altura. Com a sua humanidade e o seu humanismo, ajudou-me a
compreender que “as prioridades eram muito claras”. E quando voltei, continuou
ao meu lado. Sempre.
Em quatro anos tudo terminou e uma
das penas que tive foi interromper o trabalho tão intenso e tão bem
acompanhado.
Desde o términus da tese, teve a
grande amabilidade de me honrar com o prefácio do meu livro e de o apresentar.
Em todas as oportunidades, continua a fazer-me sentir bem, uma pessoa única e
foi-se tornando, por tudo isto, uma das pessoas a quem atribuo mais valor e uma
das mais marcantes na minha vida.
A ele já me referi noutra nota
sobre ídolos. Porque não sou pessoa de ter ídolos. Mas sim de admirar muito
alguém e ter o imenso privilégio de ter na minha vida modelos extraordinários.
O Professor Ermelindo Peixoto é um deles.
Admiro-lhe as qualidades
científicas, éticas, deontológicas, epistémicas, mas também as pessoais: a
afabilidade, a gentileza, o cavalheirismo, a educação e a cultura, entre tantas
outras. E a humildade. Esta característica que marca e demarca os génios.
Porque sem sombra de dúvida, o Professor Ermelindo é um Génio. Detém vários
tipos de inteligência descritos por Howard Gardner. Todas as instituições seriam
muito melhores se tivessem mais pessoas assim nos seus quadros.
Este ano, no mês de agosto, reparei
no seu aniversário. Gosto imenso de astrologia, sempre gostei e faz-me muito
sentido. E quando reparei qual o seu signo, enquadrei em algumas palavras chave
o que penso dele. Tomei consciência de que via no Professor Ermelindo uma
figura também paternal – sim, ele tem muitas das características profissionais
(cada um na sua área claro!) e pessoais do meu pai, que era do mesmo signo
solar.
Por tudo isto quando fui convidada
para a festa em sua homenagem pensei que independentemente de tudo, custasse o
que custasse e fosse como fosse, eu teria que ir. Se não fosse a esta homenagem
não iria a mais nenhuma. Não gosto daqueles almoços ou jantares por obrigação -
quem me conhece sabe que é assim, sejam quais os motivos. Esta homenagem
fazia-me todo o sentido e identificava-me completamente com a essência com que
foi planeada. Ninguém na UAc merece algo assim; se não fosse a esta não iria a
mais nenhuma.
Felizmente uma grande amiga, também
admiradora do Professor Ermelindo Peixoto decidiu ir também o que me foi muito
agradável porque a minha timidez natural (não se riam, sou extrovertida mas sou
tímida) fazia-me ter muita dificuldade em ir sozinha. Um problema resolvido.
Fossem quais fossem os outros, só uma força muito grande me teria impedido.
E foi tudo muito, muito mais do que
eu esperava. Parabéns e um grande bem-haja a quem orientou, destacando aqui
outra pessoa muitíssimo elevada na minha consideração: A minha querida
terapeuta, amiga, colega, Célia Carvalho.
Fomos dos primeiros a chegar (eu e
a Suzana, duas pessoas para quem a pontualidade é sagrada). Descobri
imediatamente, pela música de fundo, que os ABBA são dos cantores preferidos do
Professor Ermelindo. Também os Bee Gees. Somos ambos filhos únicos. E quando eu
for grande, quero ser uma professora e uma pessoa com as suas características!
Mas o que me maravilhou foi ver
como teve a amabilidade de cumprimentar cada uma das muitas dezenas (talvez
mais de uma centena) de pessoas. Indo além disto: com uma palavra amável,
focando os interesses, as qualidades “daquela” pessoa. Isto diz muito do
carácter de uma pessoa! Depois, descobri que tem uma faceta de entertainer que
eu não conhecia (afinal, nunca estive sequer numa sala de aula sua): é que
conta história, leva-nos por ali fora e eu estaria ainda a ouvi-lo falar, a
escutar os seus trocadilhos de fino e inteligente humor.
Quando apresentou a sua família
reparei em algo que comentei com a Suzana: a linguagem não verbal (reparo tanto
ou mais nela do que na verbal, sempre fui assim – eu não escuto as coisas; eu
sinto-as) do seu filho. Os gestos da sua mão no ombro do pai. Não é apenas um
Grande Professor, um Grande Colega e uma Grande Pessoa – certamente é um Grande
Pai.
Toda a homenagem foi cheia de
emoções e palavras que lhe são devidas, que lhe são merecidas. Eu segundo,
corroboro e subscrevo a proposta do Professor Machado Pires, antigo Reitor da
UAc: que se atribua o título de Professor Emérito ao Professor Ermelindo
Peixoto. Nada do que ali foi dito, fosse por quem fosse, foi metáfora ou
hipérbole: é verdade; é merecidíssimo. Ao longo a noite, muitas vezes me ri,
muitas vezes chorei. E aplaudi, e me levantei para homenagear quem tanto
merece. Foi uma noite cheia de calor humano, abrangendo funcionários,
estudantes, colegas, reitores. Que bom que existem pessoas assim, que geram
estes encontros, estes momentos. Que movem e fazem mover as pessoas
independentemente de tudo. Que nos levam por caminhos de descoberta constantes.
O Professor Ermelindo Peixoto pode
aposentar-se mas sei que não o deixarei, a UAc não o deixará.
E eu, a quem a palavra e a situação
de aposentadoria criam calafrios de horror, quase tive vontade de chegar a
minha vez. Só para ver se tenho uma festa tão linda.
Obrigada Senhor Professor! Muito
obrigada!
Ponta Delgada, 10 de setembro de
2017