Como quase todos os dias, acordei angustiada.
Tendo muito que fazer, não me sobra tempo para angústias.
Pode parecer que é bom, eu também acho. E é. Mas um dia vem e sai pelas costuras.
Hoje não foi exceção. É Domingo mas tenho que atualizar
coisas da Direção de curso e de ensino clínico.
Mas chega ao momento de ir á missa e não quero faltar. Vou
quando me apetece mas geralmente quero ir e sinto-me bem. Para além de vivências
espirituais eu tenho necessidade de ter também religiosas.
Nos caminhos desta vida vagueei entre o catolicismo por
tradição e obrigação, como, creio, quase todos os portugueses. Os meus pais
mandavam-me à catequese e à missa e eu ia. Fui batizada porque eles decidiram
por mim. Quando pude escolher, decidi, depois de observar, estudar, rondar, ser
Mórmon (eles preferem que se diga membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos
dos últimos Dias). E vivi com fé e intensidade como vivo tudo. Foram muitos
anos, porque o que faço ou faço com crença e paixão ou não faço.
No mormonismo tive a oportunidade de estudar as Escrituras,
coisa que no catolicismo não tive e acho que se continua a não fazer. Desde pequenina
o Novo Testamento fascina-me.
Quando o mormonismo deixou de me fazer sentido, levei muito
tempo a decidir sair. Mas saí mesmo. Não “deixei de ser ativa”. Ou seja, sou
uma apóstata para eles.
Hoje guardo o bem que trouxe de lá. Tenho saudades de
algumas vivências e tento guardar o que havia de bom, que há, e não me debruçar
no que não há (e há muito também). Levei tempo e dor a chegar aqui mas cheguei.
Nos momentos difíceis, de saúde do meu marido e minha, foi
no catolicismo que encontrei conforto. Hoje sou católica praticante, vicentina,
tento participar. Para mim uma religião não é contemplativa; implica ação e
gostava que fosse mais, mas de facto, aqui comparando as duas religiões, o
mormonismo é mais de grupo, de sentido de comunidade e de serviço. Dá-me
impressão que se vá à missa se cumprimente, principalmente por obrigação,
quando o padre diz “saudai-vos na Paz de Cristo” (é a parte que menos gosto da
missa porque lhe vejo contradição e não gosto de fazer nada obrigada), mas mal
se cumprimentam e se olham quando acaba tudo. A vivência de irmandade ou até de
comunidade é muito deficitária. Mesmo se nos implicamos em atividades, as
pessoas não convivem nem se conhecem.
Decidi, porque felizmente nos dias de hoje se pode fazer,
que a minha paroquia seja Nossa Senhora de Fátima. Vim “por acaso” e decidi
ficar porque os padres, com bastante idade, têm um arejamento de cabeça que
muitos jovens de 30 anos não têm. Não são eruditos mas usam a voz do coração. Têm
o dom de tocar no meu coração com as suas palavras simples. Nunca fui devota de
Nossa Sra. de Fátima. Há coisas de que duvido. Mas no Encontro de Vicentinos em
abril em Fátima tive uma experiência maravilhosa. Um dia talvez aprofunde aqui
as minhas experiências espirituais e místicas. Por agora digo que o meu caminho
de regresso à vida espiritual está a ser feito lentamente e com dificuldade.
Quando saí de coma pensei que estava a sair da anestesia. Era igual. Há quem
passe em tuneis e veja muitas coisas. Eu apaguei e depois acordei. Mais nada.
Se a morte é isto não há nada depois. O que custa a aceitar porque então a vida
não faz sentido. Com o que me sucedeu nos meses subsequentes fiquei apática. Ainda
não encontro sentido espiritual para o que sucedeu. Se calhar não tem, mas o
ser humano tenta sempre atribuir sentido. Faz parte da nossa condição. Por
isso, talvez o Homem tenha inventado Deus.
Ideia que me é sumamente desconfortável. Eu era Mórmon quando estudei Nietzsche. Odiei!!!! Mas, quando estou na missa, oiço o Evangelho, a homilia, os cânticos, sinto inspiração e ternura, e um toque profundo de esperança de que afinal há ALGUÉM que nos ama e cuida de nós.
No hospital de PD tive necessidade de apoio espiritual, de
falar com um padre. Tive a sorte (!) de vir o padre de São Roque. E o meu
caminho de regresso começou a fazer-se. Muito lentamente. Mas sei que nestas
coisas não pode haver pressa. Aliás, aprendi que tudo tem o seu ritmo. Nas
muitas semanas hospitalizada, com alimentação parentérica não podia tomar nada pela
boca, portanto, não podia comungar. E fui-me preparando para o fazer. Ainda o
consegui antes da alta.
Quando comecei a andar depois da alta comecei a ir à missa
na igreja onde se venera o Sr. Santo Cristo dos Milagres de que sou devota
desde pequenina. Tinha de ficar atrás e subir a rampa. Eu não tinha força nenhuma
nas pernas nem conseguia subir um degrau, ía cedo. Fui a algumas igrejas mas
tinham de ter rampa. Por isso nunca fui a São Roque. Gostaria de ver o padre
que me marcou no internamento, mas se a igreja tem rampa eu nunca a encontrei.
Fui a várias para verificar onde me sentia melhor. Vim parar a Nossa Senhora de
Fátima “por caso”. Sai 5 minutos atrasada de casa para a missa na igreja da
Esperança e não chego atrasada á missa. Então, a que ainda havia era em Nossa
Senhora de Fátima. Senti-me logo bem, e fiquei pelas razões que já expliquei. O
acesso também era fácil. No inicio não me podia ajoelhar, depois fui fazendo
por isso e levantar com a perna esquerda que é a que ficou mais fraca, até que
hoje é quase normal.
Na missa sigo tudo com o meu missal e escrevo num caderninho
de apontamentos os meus pensamentos, as palavras dos sacerdotes que me tocam.
Algumas pessoas olham-me admirada. Inclusive crianças. Devem achar que sou excêntrica
e esquisita (e sou), outros, talvez, que não tenho reverência (já vi olhares
reprovadores). É a minha forma de ser reverente. Canto, ajoelho-me, medito (no
início só me ajoelhava e chorava, agora estou mais tranquila).
Do ponto de vista não religioso, puramente espiritual, o
regresso faz-se ainda mais lento porque é muito solitário, não há ajuda. Sou
Mestre de Reiki e os meus mestres não estão neste país. Nisto estou muito só.
Nunca consegui praticar Reiki quando estava mal. Descri em tudo e nunca mais
pratiquei. Um dia, se voltar a sentir o apelo do Reiki, voltarei a fazer todas
as iniciações. Sinto saudade dessas vivências, mas perdi a força. O caminho
faz-se caminhando. Quem sabe um dia…
É tão bom ler um testemunho de quem passou e melhor ainda quem sabe transmitir.Li e reli faz meditar e se estamos próximos ainda nossa atenção é mais motivada.Continuadas melhoras e cada vez mais luz para a tua FÉ,tudo de bom para ti e teus Familiares,bjs.Alvarino.
ResponderEliminarMuito obrigada :)
Eliminartens um dom de descrever as coisas que eu fico maravilhada, obg
ResponderEliminarEu é que agradeço. Muito obrigada!
EliminarA tua forma de escrever cativa-nos enquanto leitores, para além de nos fazer pensar muito e em muitas coisas....
ResponderEliminarMuito obrigada!
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