sexta-feira, 10 de junho de 2016

Enfrentando um dos maiores

Vila Franca de Xira (Hospital VFX, 9 de junho de 2016, 14h15m)

Nas últimas vezes que tenho vindo a Lisboa penso que um dia terá de ser, terei de enfrentar.
Hoje a viagem de avião durou menos 20 minutos e antes de ter a consulta logo à tarde e do Jorge ir ver a mãe que está internada, teria um pouco de tempo.
“Vamos ao Hospital (…)?” – desafiei-o.
O meu marido ficou a olhar para mim. “Tens a certeza?” – perguntou-me.
Mas o dia está com o céu azul, há algum ânimo e sim, quis ir.
Há coisas que é melhor atirar de cabeça. E hoje não senti o horror de sempre quando penso que quero voltar a entrar ali.
Fomos levantar o automóvel de aluguer e… a caminho.
Chegando perto do CC Colombo, onde eu também nunca mais fui, já elas me saltavam dos olhos e me rolavam pela cara abaixo. Ainda que eu não quisesse e, principalmente, não queria que o Jorge percebesse. Preferi que ele estacionasse na entrada onde tantas vezes me deixou na cadeira de rodas pois eu ia fazer o penso diariamente. Hoje quis que ele ficasse no carro. Ele também não queria estacionar lá “Não me apetece dar mais dinheiro a ganhar àqueles.”, disse.
Contou-me depois que o segurança ficou a olhar para mim, devia ser de entrar a chorar.
O meu sentido de orientação é muito mauzinho. Imediatamente à direita fica o local onde fazias os pensos. Não me deu qualquer impressão. Segui pelo corredor em frente porque queria chegar à porta da Unidade de Cuidados Intensivos. Mas compreendi que não sei onde é. Fiquei num varandim que dá para um jardim e vi o refeitório e o bar lá em baixo. Sei que a UCI fica por ali mas não sei onde é. Vi o jardim onde um dia me autorizaram a ir. Era outono, eu estava há mais de 60 dias internada e queria tanto apanhar um pouco de ar. O médico deixou-me ir. Já só andava em cadeira de rodas e o Jorge levou-me. Mas nessa altura fiquei pouco tempo. Toda a gente vai fumar para ali e mesmo ao ar livre cheirava imenso a tabaco. Quis ir embora.
Hoje debrucei-me lá para baixo e fartei-me de chorar.
Voltei atrás e passei todo o corredor do Serviço de Atendimento Permanente por onde fui reinternada. E passei à porta da Imagiologia. Não era por ali que eu entrava, era por portas vindas do internamento, mas veio-me logo ao nariz o cheiro do produto de contraste que eu tinha de beber para fazer as TAC. Foram 17, na última fartei-me de vomitar; já não aguentava mais aquele sabor e nunca mais na vida quero cheirar anis. Claro que era imaginação minha eu sei que não cheira àquilo ali mas “senti” o fedor desse produto de contraste. O célebre cheiro que associo a este hospital é que não senti. De facto já não existe. Devem ter mudado de produtos de higiene. No meu último internamento os lençóis do acompanhante estavam rotos e os funcionários queixavam-se de que cada vez havia mais falta de material. Os chineses que compraram o hospital quando rebentou a Banca a que pertencia e que levou muita gente a ficar sem as suas economias (eu também fiquei e quem me der que tivesse sido como esses; não têm dinheiro mas não se lhes foi a saúde… pelo menos não de um modo direto, que não quero desvalorizar o sofrimento dessas pessoas, cada um sabe de si) pouco cuidado estavam a ter. Os garrotes eram daqueles de rolo de borracha, de que eu já não via desde o meu curso de enfermagem. Que têm uma técnica de amarrar e é por cima da roupa para magoar menos a pessoa. E alguns senhores enfermeiros nem os sabiam usar, ainda tentei ensinar a alguns. Um dia uma “querida” enfermeira amarrou-me o braço com umas ganas (tenho veias muito más) que me deixou o braço tão marcado que ainda hoje tenho a cicatriz. Foi quando me transferiram de Ponta Delgada para me tirarem a última prótese do estômago, eu já ia da Cirurgia III onde me trataram como a um ser humano. Estava mais desperta do que nos iniciais 71 dias e saiu-me um berro de dor e de raiva com essa enfermeira que se inclui no grande grupo das quase todas para esquecer e disse-lhe que saísse daquele quarto e nunca mais ali entrasse enquanto eu estivesse internada. Nunca mais o fez.
Saí e entrei no nosso carro. E chorei. Não sei dizer porquê. Apenas me vinha à mente que, quando fui transferida desse hospital para o de Ponta Delgada a 6 de fevereiro de 2015, na ambulância que me levava para o aeroporto, sentia alívio e pensava “Nunca mais tenho que entrar aqui”. E não tenho. Fui porque quis. E quero voltar. Penso que hoje chorei de alívio. Mas com muita dor à mistura. Ninguém me pergunte se estou consciente da causa dessa dor. Não sei. E talvez um pouco de pena de mim mesma (a minha psicóloga insiste que eu tenho de sentir pena de mim mesma… acho que ela vai gostar de saber). Quero voltar e ir a alguns serviços e, especialmente, olhar um determinado profissional de enfermagem olhos nos olhos dizendo-lhe tudo o que penso. Depois, então, consoante ele reaja, farei ou não queixa à Ordem dos Enfermeiros. Não é por aqui que quero ir. Porque não tenho força para me desgastar e sei que, especialmente, à parte médica é muito difícil ganhar em Portugal ainda que tenham existido erros muito grosseiros. Dos enfermeiros, eu quero pensar que se eu falar com eles, talvez parem e reflitam. Mas acima de tudo o que eu quero é que aquilo que eu passei mais ninguém passe. E nunca mais, alguns deles, tratem ninguém como me trataram. Do cirurgião do ponto de vista humano não tenho nada a dizer. Sempre me tratou muito bem. Até me dá pena porque há algo que penso dele: é boa pessoa.
Fomos ao Colombo, depois ver o meu sogro e depois a minha sogra.
A seguir tenho uma consulta médica neste périplo dos outros tentarem remediar o que não foi devidamente acautelado. Atenção candidatos a cirurgia bariátrica: é bom saberem que a absorção de cálcio será diferente e que o risco de osteoporose é muito elevado. Quase 100%. Então devemos fazer uma densitometria e ver como estão as coisas por aí para evitar males maiores. Nesse hospital ninguém se lembrou disso (não se lembraram da vitamina B 6 que já estava baixa antes de ser operada… nem de que eu fazia tratamento para situações crónicas e fiquei 25 dias sem medicação até o meu filho se lembrar de perguntar…). Verdade seja dita que em Ponta Delgada também ninguém se lembrou do risco de osteoporose – que, sinceramente, não é no internamento. Mas essa é outra história. E, de novo, eu não sabia. Ninguém nos informa, vamos descobrindo. Como diz este meu médico em Lisboa: uma cirurgia bariátrica não é só cortar o estômago. Não sei como será noutros países mas em Portugal, pelos vistos, é. Depois, há os que sabem tratar complicações e há os que se enrolam nelas até quase nos levarem à morte. Hoje lembrei-me dos médicos intensivistas desse hospital. De altíssima competência. O que é verdade tem que ser dito. Infelizmente, gostaria de dizer o mesmo do grupo profissional no qual tão orgulhosamente me formei e a que tenho pertencido. E não consigo. Não chegam a 5 enfermeiros, não me enche uma mão o número daqueles de quem eu teria gosto de ter sido professora. E isso dói imenso. Porém, quando entro neste raciocínio recordo que no IPO Porto, em Ponta Delgada, é o inverso. No Porto, uma enfermeira teve um comportamento menos adequado uma vez, no internamento e outra na consulta externa da oftalmologia. Em Ponta Delgada, uma enfermeira teve um minuto menos apropriado. Na altura fiquei sem fala. No dia a seguir tive uma conversa com ela. Não foi minha aluna, não se formou em Ponta Delgada. Mas não me importava que tivesse sido. É uma excelente enfermeira e um dia menos bom todos temos.


2 comentários:

  1. Paula fizeste-me recordar muitas coisas. Choraste, foi bom desabafares... mas nesse hospital há muitos enfermeiros que precisavam ouvir umas boas. Eu vi e sou testemunha da desumanidade que vi lá

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  2. Um dia querida amiga. Um dia será, assim Deus me ajude.
    É verdade, tu testemunhaste, tal como a minha família, nossos colegas, enfim... Uma vergonha contra a qual lutarei sempre. Mas, como pude vivenciar no Algarve há poucos dias, Enfermagem continua a valer a pena. Pelo jeito, vá-se lá saber porquê esse hospital é a exceção.

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