Vila Franca de Xira (Hospital
VFX, 9 de junho de 2016, 14h15m)
Hoje a viagem de avião durou
menos 20 minutos e antes de ter a consulta logo à tarde e do Jorge ir ver a mãe
que está internada, teria um pouco de tempo.
“Vamos ao Hospital (…)?” –
desafiei-o.
O meu marido ficou a olhar para
mim. “Tens a certeza?” – perguntou-me.
Mas o dia está com o céu azul, há
algum ânimo e sim, quis ir.
Há coisas que é melhor atirar de
cabeça. E hoje não senti o horror de sempre quando penso que quero voltar a
entrar ali.
Fomos levantar o automóvel de
aluguer e… a caminho.
Chegando perto do CC Colombo,
onde eu também nunca mais fui, já elas me saltavam dos olhos e me rolavam pela
cara abaixo. Ainda que eu não quisesse e, principalmente, não queria que o
Jorge percebesse. Preferi que ele estacionasse na entrada onde tantas vezes me
deixou na cadeira de rodas pois eu ia fazer o penso diariamente. Hoje quis que
ele ficasse no carro. Ele também não queria estacionar lá “Não me apetece dar
mais dinheiro a ganhar àqueles.”, disse.
Contou-me depois que o segurança
ficou a olhar para mim, devia ser de entrar a chorar.
O meu sentido de orientação é
muito mauzinho. Imediatamente à direita fica o local onde fazias os pensos. Não
me deu qualquer impressão. Segui pelo corredor em frente porque queria chegar à
porta da Unidade de Cuidados Intensivos. Mas compreendi que não sei onde é.
Fiquei num varandim que dá para um jardim e vi o refeitório e o bar lá em
baixo. Sei que a UCI fica por ali mas não sei onde é. Vi o jardim onde um dia
me autorizaram a ir. Era outono, eu estava há mais de 60 dias internada e
queria tanto apanhar um pouco de ar. O médico deixou-me ir. Já só andava em
cadeira de rodas e o Jorge levou-me. Mas nessa altura fiquei pouco tempo. Toda
a gente vai fumar para ali e mesmo ao ar livre cheirava imenso a tabaco. Quis
ir embora.
Hoje debrucei-me lá para baixo e
fartei-me de chorar.
Voltei atrás e passei todo o
corredor do Serviço de Atendimento Permanente por onde fui reinternada. E passei
à porta da Imagiologia. Não era por ali que eu entrava, era por portas vindas
do internamento, mas veio-me logo ao nariz o cheiro do produto de contraste que
eu tinha de beber para fazer as TAC. Foram 17, na última fartei-me de vomitar;
já não aguentava mais aquele sabor e nunca mais na vida quero cheirar anis.
Claro que era imaginação minha eu sei que não cheira àquilo ali mas “senti” o
fedor desse produto de contraste. O célebre cheiro que associo a este hospital
é que não senti. De facto já não existe. Devem ter mudado de produtos de
higiene. No meu último internamento os lençóis do acompanhante estavam rotos e
os funcionários queixavam-se de que cada vez havia mais falta de material. Os
chineses que compraram o hospital quando rebentou a Banca a que pertencia e que
levou muita gente a ficar sem as suas economias (eu também fiquei e quem me der
que tivesse sido como esses; não têm dinheiro mas não se lhes foi a saúde… pelo
menos não de um modo direto, que não quero desvalorizar o sofrimento dessas
pessoas, cada um sabe de si) pouco cuidado estavam a ter. Os garrotes eram
daqueles de rolo de borracha, de que eu já não via desde o meu curso de
enfermagem. Que têm uma técnica de amarrar e é por cima da roupa para magoar
menos a pessoa. E alguns senhores enfermeiros nem os sabiam usar, ainda tentei
ensinar a alguns. Um dia uma “querida” enfermeira amarrou-me o braço com umas
ganas (tenho veias muito más) que me deixou o braço tão marcado que ainda hoje
tenho a cicatriz. Foi quando me transferiram de Ponta Delgada para me tirarem a
última prótese do estômago, eu já ia da Cirurgia III onde me trataram como a um
ser humano. Estava mais desperta do que nos iniciais 71 dias e saiu-me um berro
de dor e de raiva com essa enfermeira que se inclui no grande grupo das quase
todas para esquecer e disse-lhe que saísse daquele quarto e nunca mais ali
entrasse enquanto eu estivesse internada. Nunca mais o fez.
Saí e entrei no nosso carro. E
chorei. Não sei dizer porquê. Apenas me vinha à mente que, quando fui
transferida desse hospital para o de Ponta Delgada a 6 de fevereiro de 2015, na
ambulância que me levava para o aeroporto, sentia alívio e pensava “Nunca mais
tenho que entrar aqui”. E não tenho. Fui porque quis. E quero voltar. Penso que
hoje chorei de alívio. Mas com muita dor à mistura. Ninguém me pergunte se
estou consciente da causa dessa dor. Não sei. E talvez um pouco de pena de mim
mesma (a minha psicóloga insiste que eu tenho de sentir pena de mim mesma… acho
que ela vai gostar de saber). Quero voltar e ir a alguns serviços e,
especialmente, olhar um determinado profissional de enfermagem olhos nos olhos
dizendo-lhe tudo o que penso. Depois, então, consoante ele reaja, farei ou não
queixa à Ordem dos Enfermeiros. Não é por aqui que quero ir. Porque não tenho
força para me desgastar e sei que, especialmente, à parte médica é muito
difícil ganhar em Portugal ainda que tenham existido erros muito grosseiros.
Dos enfermeiros, eu quero pensar que se eu falar com eles, talvez parem e
reflitam. Mas acima de tudo o que eu quero é que aquilo que eu passei mais
ninguém passe. E nunca mais, alguns deles, tratem ninguém como me trataram. Do
cirurgião do ponto de vista humano não tenho nada a dizer. Sempre me tratou
muito bem. Até me dá pena porque há algo que penso dele: é boa pessoa.
Fomos ao Colombo, depois ver o
meu sogro e depois a minha sogra.
A seguir tenho uma consulta
médica neste périplo dos outros tentarem remediar o que não foi devidamente
acautelado. Atenção candidatos a cirurgia bariátrica: é bom saberem que a
absorção de cálcio será diferente e que o risco de osteoporose é muito elevado.
Quase 100%. Então devemos fazer uma densitometria e ver como estão as coisas
por aí para evitar males maiores. Nesse hospital ninguém se lembrou disso (não
se lembraram da vitamina B 6 que já estava baixa antes de ser operada… nem de
que eu fazia tratamento para situações crónicas e fiquei 25 dias sem medicação
até o meu filho se lembrar de perguntar…). Verdade seja dita que em Ponta Delgada
também ninguém se lembrou do risco de osteoporose – que, sinceramente, não é no
internamento. Mas essa é outra história. E, de novo, eu não sabia. Ninguém nos
informa, vamos descobrindo. Como diz este meu médico em Lisboa: uma cirurgia
bariátrica não é só cortar o estômago. Não sei como será noutros países mas em
Portugal, pelos vistos, é. Depois, há os que sabem tratar complicações e há os
que se enrolam nelas até quase nos levarem à morte. Hoje lembrei-me dos médicos
intensivistas desse hospital. De altíssima competência. O que é verdade tem que
ser dito. Infelizmente, gostaria de dizer o mesmo do grupo profissional no qual
tão orgulhosamente me formei e a que tenho pertencido. E não consigo. Não
chegam a 5 enfermeiros, não me enche uma mão o número daqueles de quem eu teria
gosto de ter sido professora. E isso dói imenso. Porém, quando entro neste
raciocínio recordo que no IPO Porto, em Ponta Delgada, é o inverso. No Porto,
uma enfermeira teve um comportamento menos adequado uma vez, no internamento e
outra na consulta externa da oftalmologia. Em Ponta Delgada, uma enfermeira teve um minuto menos apropriado. Na
altura fiquei sem fala. No dia a seguir tive uma conversa com ela. Não foi
minha aluna, não se formou em Ponta Delgada. Mas não me importava que tivesse
sido. É uma excelente enfermeira e um dia menos bom todos temos.
Paula fizeste-me recordar muitas coisas. Choraste, foi bom desabafares... mas nesse hospital há muitos enfermeiros que precisavam ouvir umas boas. Eu vi e sou testemunha da desumanidade que vi lá
ResponderEliminarUm dia querida amiga. Um dia será, assim Deus me ajude.
ResponderEliminarÉ verdade, tu testemunhaste, tal como a minha família, nossos colegas, enfim... Uma vergonha contra a qual lutarei sempre. Mas, como pude vivenciar no Algarve há poucos dias, Enfermagem continua a valer a pena. Pelo jeito, vá-se lá saber porquê esse hospital é a exceção.