Nesta busca de mim mesma era momento de voltar à minha terra
natal. Onde estão as minhas raízes. Não as familiares, hereditárias e
genealógicas pois, tendo eu nascido na ilha Terceira, até há pelo menos a 9ª
geração, é tudo de São Miguel. Verdade. A minha genealogia é pouco variada
nesse aspeto. Com ela feita, descubro que só 9 gerações antes de mim há alguém
que não é da maior ilha de São Miguel mas do Faial, um antepassado, e das
Flores, outro. Portanto, tendo eu visto a luz do Sol (que por acaso foi da Lua,
pois nasci à meia noite e cinco minutos) na Praia da Vitória, sou mais
micaelense do que a maioria dos que conheço. Fui Diretora da Biblioteca
Genealógica em Ponta Delgada durante 5 anos e pude constatar que há muitos
antepassados que são muito mais recentes na ilha do que no meu caso. Mas como
eu afirmava, era chegado o momento de procurar as minhas raízes: do que foram
os locais de infância, adolescência e início de vida adulta (saí desta ilha
para voltar à terra dos meus ancestrais pela qual sempre tive uma atração que
sinto cada vez mais que é muito profunda e espiritual quando tinha 27 anos). Também,
dos amigos que alicerçam a minha vida desde a mais tenra idade e que é nesta
ilha que estão. E, claro (e nisto sou muito terceirense!) das festas. Juntando
tudo, as hipóteses seriam as Sanjoaninas, agora, ou as Festas da Praia, em agosto.
Às últimas tenho vindo mais frequentemente e, como duas das minhas amigas não
estarão aquando das mesmas, as Sanjoaninas seriam o momento ideal. Há cinco
anos que não vinha a estas festas e delas basicamente o que desfruto é das
toiradas de praça de eu sou aficionada. Também gosto imenso das de à corda mas
são as de praça que me fazem viajar.
As minhas prioridades eram: estar com as pessoas amigas, a
minha tia-madrinha, a minha prima e a sua família, ver conhecidos, ir à toirada
de concurso de ganaderias, se possível a uma à corda, desfrutar a paisagem da
ilha e provar alguma da sua incrível gastronomia.
Saí de Ponta Delgada na quarta-feira com o tempo cinzento e
cheguei aqui com a mesma tonalidade. O avião aproximou-se sobrevoando a Praia
da Vitória e senti um nó na garganta. Afinal, aqui nasci e é uma das paisagens
que mais amo neste mundo.
O primeiro encontro foi com a amiga em casa de quem fico.
Confesso que não me é fácil ficar em casa de outras pessoas e geralmente
prefiro hotéis. Há poucas pessoas em casa de quem me sinta completamente à
vontade mas esta é uma delas e onde fico quase sempre com a maior gratidão e
carinho. Ainda para mais, vindo sozinha, estaremos só as duas, o que me é muito
apetecível neste momento. Tive oportunidade de rever imediatamente o seu filho
e nora, o que eu muito queria após tanto que passámos os dois. Foi um serão muito
agradável, com imenso que contar e lutando contra o tempo que voa. Aliás, este é um aspeto menos bom nesta visita: serão
demasiados poucos dias para o tanto que eu queria fazer e, principalmente, para
tantas pessoas a quem eu queria ver. Fica desde já o meu pedido de desculpa a
quem eu não conseguir e a promessa de que espero não levar tanto tempo a
regressar.
Ontem foi dia de ver mais duas amigas, uma que generosamente
me tem transportado e com quem fui ao Hospital de Angra, este já não ao das
minhas raízes, onde trabalhei durante 6 anos, pois trata-se agora de um enorme,
dizem que demasiado grande para as necessidades. Mas fui para um assunto profissional
de um trabalho de investigação e com a oportunidade de dar um beijinho uma
amiga e colega com quem trabalhei muito proximamente, a atual chefe do serviço
de obstetrícia. Tive pena de não conhecer o serviço mas não se proporcionou. Também
fui ao polo de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, mais especificamente
à Escola de Enfermagem onde tinha como objetivo rever colegas e cumprimentá-las,
mas havia exames de estudantes e apenas tive oportunidade de conhecer uma funcionária
a quem falo frequentemente ao telefone e conheci um colega com quem nunca havia
estado. Deixei beijinhos e tive de ir embora pois aguardavam-me numa reunião. Mas
gostei desta secção da Escola Superior de Saúde. Achei até mais agradável do
que o edifício anterior, nenhum dos dois fazendo parte das minhas raízes pois
iniciei o meu curso no ginásio, se não estou em engano, do Liceu de Grande, já
que o terramoto de 1980 tinha destruído a então Escola de Enfermagem e o que
existia eram umas instalações provisórias onde se assava no Verão, se tremia de
Inverno e se assistia a chuva de interiores sempre que o generoso céu pluvial
dos Açores dava o ar da sua graça. O meu curso terminou já num edifício mais
decente nos Portões de São Pedro (agora reparo no nome e reconheço que lá dentro
não era o céu mas permitiu um último ano de curso bastante agradável) do qual
guardo várias recordações: o cheiro a lareira, a belíssima vista para o Monte
Brasil e uma entrada com um alto tão grande que o meu VW 1300 carocha tinha de
ser bem manobrado para não arrastar o fundo, ainda que sempre me assegurassem
que o mesmo era blindado.
Regressando à Praia, foi a oportunidade de encontrar outra
amiga de sempre, mais uma daquelas que me conhece o estado de espírito pelo
modo como pontuo uma frase e que eu conheço o que pensa pelo modo como lhe
tremem as narinas (gaitadaria!!!!). Conversámos tanto, sabendo que o tempo não
nos era favorável, penso que foi muito bem aproveitado, pusemos o possível da “escrita
em dia” com o dito e o não dito porque é destas amizades em que muitas vezes as
palavras não são necessárias. Também é daquelas em que podemos estar (e
estávamos) há anos sem nos vermos mas sabemos que nada mudou. Após umas breves compras
juntámo-nos para jantar a três com a amiga que me hospeda. Acima de tudo o
estar a três é que foi bom, a comida satisfez (o pudim de coco era delicioso) e
depois, vindo para casa, foi o abrir de coração, nestas conversas de enorme cumplicidade
com que só algumas pessoas têm e que eu duvido que os homens consigam. Com mais
ninguém me desnudo tanto e vou tão a fundo. A Almerinda talvez seja a pessoa
que melhor me conhece neste mundo o que não admira por tanto que temos
partilhado, do bom e do menos bom das nossas vidas. Alguns anos mais velha,
conhece-me desde que nasci, foi minha catequista, vivemos juntas a primeira
gravidez, pois os nossos filhos fazem diferença de apenas 1 mês e meio de idade.
O nosso nível de entendimento quase telepático é tão grande que ela sabia que
eu não estava bem, que algo grave se passava mas que eu necessitava do meu
espaço, portanto, que quando pudesse, comunicaria. Tive acompanhamento inexcedível
e inolvidável de muitas pessoas como já referi neste blog. Mas também tive
intrusão e quem achasse que eu deveria escrever ou atualizar o FaceBook com o
que se passava. E eu simplesmente não queria falar, não queria escrever, não queria
Facebook nem queria atender o telemóvel. Precisava de me afastar do mundo. A
Almerinda foi as raras pessoas que não apenas o compreendeu mas o respeitou. E
isto é de uma elevação que não tem qualificação a não ser por parte de uma
pessoa muito nobre a todos os níveis. O mesmo sucedeu com a Raquel, pessoas
que, efetivamente têm muitos pontos em comum. E depois não me digam que a
astrologia não funciona (são do mesmo signo solar e, quase de certeza, se bem
me recordo, têm o mesmo ascendente). Com elas sabemos estar juntas, até no
mesmo espaço físico, sabendo resguardar o espaço da outra, quando estar e
quando não estar quando falar e quando calar, quando ouvir e quando intervir. Tal
como com a Graça, consigo uma conversa de elevado nível em que uma não atropela
a outra a falar, o que já indica muito muito do nível de intimidade, do tipo de
respeito e da relação profunda existente. Ah, e da boa educação!
Deste primeiro dia não há fotos. Precisámos ser só nós, tudo
o mais era mesmo secundário.
O dia 24 de junho é o dia grande de Angra do Heroísmo. Começa
na noite do dia 23, das marchas de São João, mas não fui. Como expus acima, nas
minhas prioridades estavam primeiro as pessoas e depois as festas. Principalmente,
os amigos e as pessoas que puderem e quiserem estar comigo, ou que,
simplesmente, conseguirmos coincidir em tão curto espaço de tempo. Privilegiei
então um serão intimista e hoje, sim, ver a madrinha e a prima e, simultaneamente,
a espera de gado, algo de que gosto mesmo muito. Foi muito emotivo rever esta
família até porque também passaram por momentos muito complicados neste interregno
de tempo em que não nos vimos. Eu sou quase 5 anos mais velha do que a minha
prima, conheço-a desde o seu primeiro dia de vida, recordo perfeitamente o casamento
dos meus tios, eu tinha 3 anos e também com estas pessoas maravilhosas não há
necessidade de nos vermos constantemente. Não importa o tempo e a distância, os
sentimentos são sempre os mesmos. A minha tia, por ser casada com um tio muito
precocemente ido deste mundo aos 50 anos (na minha família há várias mortes com
esta idade e eu estive quase a ir também), é também minha madrinha de Crisma e
foi das pessoas que me influenciou no gosto pela cozinha e pela doçaria. Para
fazer justiça, foram as minhas duas madrinhas bem como uma prima e mais tarde
comadre sendo esta quem me proporcionou acesso livre ao seu caderno de doçaria
familiar e com quem fiz o primeiro doce, o meu afamado pudim de abóbora, que elaboro
desde então todos os dias 31 de outubro, tendo apenas falhado o ano de 2014, ainda
não tinha 10 anos. Enquanto escrevo isto tomo consciência da profundidade da
sua influência pois são naturais de duas das zonas com melhor gastronomia deste
país: Minho, a do baptismo
e Ilha Terceira, a do Crisma. Ambas as madrinhas me influenciaram nesta área, na minha educação pois são também pessoas de elevada moral e ética, fortes princípios e valores e até nas festas e receções que sempre dei enquanto vivi na ilha Terceira e que foram desaparecendo em São Miguel até não existirem mais, o que sucede por outros motivos mas que eu já estava a pensar retomar, pois ainda que tenha uma casa demasiado pequena para o que foram sempre as casas onde vivi há sempre forma de o fazer e estou pronta a redescobri-lo.
Os toiros, bonitos de presença, eram fraquinhos de bravura e
o arraial tinha menos pessoas que aquilo de que me recordo.
Fomos desfrutar da cozinha simplesmente deliciosa da minha
tia e da minha prima. A Aidinha saiu à sua mãe com quem aprendeu desde os
genes. Se me influenciou a mim, imagine-se à filha!!! Comi a melhor sopa de
legumes da minha vida e sinto-me inspirada a tentar ir além das minhas
monotonias. É que a sopa é algo que não me sai bem nem eu gosto de fazer. Coro
de vergonha em comparar as minhas com a que comi hoje mas a madrinha deu-me
umas dicas e vou colocá-las em prática quando regressar. Provei vários petiscos,
tudo do mais delicioso e destaco um pudim de forno com queijo Philadelphia que
é algo indescritível. Meia colher de chá que aquele é dos tais que uma colher
de sopa me provocaria uma cólica biliar. E, de novo, com tão pequeno pedaço
fico tão satisfeita como se comesse uma fatia inteira. A minha querida amiga Adília
demonstrava imensa pena de mim porque só dou uma dentadinha muito pequenina:
num rissol, numa tosta com paté, no bacalhau de natas. Mas fico muito
satisfeita e sinto-me muito melhor do que quando me empanturrava. A sopinha é
que marchou toda. Foi comer e conversar, entre família, amigas e novas pessoas
que conheci neste espaço de extrema generosidade, penso que só existente nesta
ilha e que inclui a abertura das portas da casa e sentar à mesa pessoas que não
se conhecem porque em dias de festa todos têm lugar e os anfitriões são de uma
generosidade inigualável. E o tempo voou.
Antes de sairmos da Base houve oportunidade da Adília me
comprar Centrum, aperitivos e chocolates, para nós na toirada de amanhã e para
oferecer e, minha alma ficou parva: em tudo gastei tanto como seria em 2 meses
de Centrum no mercado português, levando, só deste para mais de 6 meses.
O meu telemóvel ficou sem bateria e eu tirei menos fotos do
que gostaria. Neste momento está a carregar porque amanhã, há de ser o grande
dia de toiros, se Deus o permitir.
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