sábado, 25 de junho de 2016

Do fundo ("from de bottom" fica melhor, não fica?) ou os alicerces onde se constroem as grandes amizades



Nesta busca de mim mesma era momento de voltar à minha terra natal. Onde estão as minhas raízes. Não as familiares, hereditárias e genealógicas pois, tendo eu nascido na ilha Terceira, até há pelo menos a 9ª geração, é tudo de São Miguel. Verdade. A minha genealogia é pouco variada nesse aspeto. Com ela feita, descubro que só 9 gerações antes de mim há alguém que não é da maior ilha de São Miguel mas do Faial, um antepassado, e das Flores, outro. Portanto, tendo eu visto a luz do Sol (que por acaso foi da Lua, pois nasci à meia noite e cinco minutos) na Praia da Vitória, sou mais micaelense do que a maioria dos que conheço. Fui Diretora da Biblioteca Genealógica em Ponta Delgada durante 5 anos e pude constatar que há muitos antepassados que são muito mais recentes na ilha do que no meu caso. Mas como eu afirmava, era chegado o momento de procurar as minhas raízes: do que foram os locais de infância, adolescência e início de vida adulta (saí desta ilha para voltar à terra dos meus ancestrais pela qual sempre tive uma atração que sinto cada vez mais que é muito profunda e espiritual quando tinha 27 anos). Também, dos amigos que alicerçam a minha vida desde a mais tenra idade e que é nesta ilha que estão. E, claro (e nisto sou muito terceirense!) das festas. Juntando tudo, as hipóteses seriam as Sanjoaninas, agora, ou as Festas da Praia, em agosto. Às últimas tenho vindo mais frequentemente e, como duas das minhas amigas não estarão aquando das mesmas, as Sanjoaninas seriam o momento ideal. Há cinco anos que não vinha a estas festas e delas basicamente o que desfruto é das toiradas de praça de eu sou aficionada. Também gosto imenso das de à corda mas são as de praça que me fazem viajar.
As minhas prioridades eram: estar com as pessoas amigas, a minha tia-madrinha, a minha prima e a sua família, ver conhecidos, ir à toirada de concurso de ganaderias, se possível a uma à corda, desfrutar a paisagem da ilha e provar alguma da sua incrível gastronomia.
Saí de Ponta Delgada na quarta-feira com o tempo cinzento e cheguei aqui com a mesma tonalidade. O avião aproximou-se sobrevoando a Praia da Vitória e senti um nó na garganta. Afinal, aqui nasci e é uma das paisagens que mais amo neste mundo.
O primeiro encontro foi com a amiga em casa de quem fico. Confesso que não me é fácil ficar em casa de outras pessoas e geralmente prefiro hotéis. Há poucas pessoas em casa de quem me sinta completamente à vontade mas esta é uma delas e onde fico quase sempre com a maior gratidão e carinho. Ainda para mais, vindo sozinha, estaremos só as duas, o que me é muito apetecível neste momento. Tive oportunidade de rever imediatamente o seu filho e nora, o que eu muito queria após tanto que passámos os dois. Foi um serão muito agradável, com imenso que contar e lutando contra o tempo que voa. Aliás, este é um aspeto menos bom nesta visita: serão demasiados poucos dias para o tanto que eu queria fazer e, principalmente, para tantas pessoas a quem eu queria ver. Fica desde já o meu pedido de desculpa a quem eu não conseguir e a promessa de que espero não levar tanto tempo a regressar.
Ontem foi dia de ver mais duas amigas, uma que generosamente me tem transportado e com quem fui ao Hospital de Angra, este já não ao das minhas raízes, onde trabalhei durante 6 anos, pois trata-se agora de um enorme, dizem que demasiado grande para as necessidades. Mas fui para um assunto profissional de um trabalho de investigação e com a oportunidade de dar um beijinho uma amiga e colega com quem trabalhei muito proximamente, a atual chefe do serviço de obstetrícia. Tive pena de não conhecer o serviço mas não se proporcionou. Também fui ao polo de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, mais especificamente à Escola de Enfermagem onde tinha como objetivo rever colegas e cumprimentá-las, mas havia exames de estudantes e apenas tive oportunidade de conhecer uma funcionária a quem falo frequentemente ao telefone e conheci um colega com quem nunca havia estado. Deixei beijinhos e tive de ir embora pois aguardavam-me numa reunião. Mas gostei desta secção da Escola Superior de Saúde. Achei até mais agradável do que o edifício anterior, nenhum dos dois fazendo parte das minhas raízes pois iniciei o meu curso no ginásio, se não estou em engano, do Liceu de Grande, já que o terramoto de 1980 tinha destruído a então Escola de Enfermagem e o que existia eram umas instalações provisórias onde se assava no Verão, se tremia de Inverno e se assistia a chuva de interiores sempre que o generoso céu pluvial dos Açores dava o ar da sua graça. O meu curso terminou já num edifício mais decente nos Portões de São Pedro (agora reparo no nome e reconheço que lá dentro não era o céu mas permitiu um último ano de curso bastante agradável) do qual guardo várias recordações: o cheiro a lareira, a belíssima vista para o Monte Brasil e uma entrada com um alto tão grande que o meu VW 1300 carocha tinha de ser bem manobrado para não arrastar o fundo, ainda que sempre me assegurassem que o mesmo era blindado.
Regressando à Praia, foi a oportunidade de encontrar outra amiga de sempre, mais uma daquelas que me conhece o estado de espírito pelo modo como pontuo uma frase e que eu conheço o que pensa pelo modo como lhe tremem as narinas (gaitadaria!!!!). Conversámos tanto, sabendo que o tempo não nos era favorável, penso que foi muito bem aproveitado, pusemos o possível da “escrita em dia” com o dito e o não dito porque é destas amizades em que muitas vezes as palavras não são necessárias. Também é daquelas em que podemos estar (e estávamos) há anos sem nos vermos mas sabemos que nada mudou. Após umas breves compras juntámo-nos para jantar a três com a amiga que me hospeda. Acima de tudo o estar a três é que foi bom, a comida satisfez (o pudim de coco era delicioso) e depois, vindo para casa, foi o abrir de coração, nestas conversas de enorme cumplicidade com que só algumas pessoas têm e que eu duvido que os homens consigam. Com mais ninguém me desnudo tanto e vou tão a fundo. A Almerinda talvez seja a pessoa que melhor me conhece neste mundo o que não admira por tanto que temos partilhado, do bom e do menos bom das nossas vidas. Alguns anos mais velha, conhece-me desde que nasci, foi minha catequista, vivemos juntas a primeira gravidez, pois os nossos filhos fazem diferença de apenas 1 mês e meio de idade. O nosso nível de entendimento quase telepático é tão grande que ela sabia que eu não estava bem, que algo grave se passava mas que eu necessitava do meu espaço, portanto, que quando pudesse, comunicaria. Tive acompanhamento inexcedível e inolvidável de muitas pessoas como já referi neste blog. Mas também tive intrusão e quem achasse que eu deveria escrever ou atualizar o FaceBook com o que se passava. E eu simplesmente não queria falar, não queria escrever, não queria Facebook nem queria atender o telemóvel. Precisava de me afastar do mundo. A Almerinda foi as raras pessoas que não apenas o compreendeu mas o respeitou. E isto é de uma elevação que não tem qualificação a não ser por parte de uma pessoa muito nobre a todos os níveis. O mesmo sucedeu com a Raquel, pessoas que, efetivamente têm muitos pontos em comum. E depois não me digam que a astrologia não funciona (são do mesmo signo solar e, quase de certeza, se bem me recordo, têm o mesmo ascendente). Com elas sabemos estar juntas, até no mesmo espaço físico, sabendo resguardar o espaço da outra, quando estar e quando não estar quando falar e quando calar, quando ouvir e quando intervir. Tal como com a Graça, consigo uma conversa de elevado nível em que uma não atropela a outra a falar, o que já indica muito muito do nível de intimidade, do tipo de respeito e da relação profunda existente. Ah, e da boa educação!
Deste primeiro dia não há fotos. Precisámos ser só nós, tudo o mais era mesmo secundário.
O dia 24 de junho é o dia grande de Angra do Heroísmo. Começa na noite do dia 23, das marchas de São João, mas não fui. Como expus acima, nas minhas prioridades estavam primeiro as pessoas e depois as festas. Principalmente, os amigos e as pessoas que puderem e quiserem estar comigo, ou que, simplesmente, conseguirmos coincidir em tão curto espaço de tempo. Privilegiei então um serão intimista e hoje, sim, ver a madrinha e a prima e, simultaneamente, a espera de gado, algo de que gosto mesmo muito. Foi muito emotivo rever esta família até porque também passaram por momentos muito complicados neste interregno de tempo em que não nos vimos. Eu sou quase 5 anos mais velha do que a minha prima, conheço-a desde o seu primeiro dia de vida, recordo perfeitamente o casamento dos meus tios, eu tinha 3 anos e também com estas pessoas maravilhosas não há necessidade de nos vermos constantemente. Não importa o tempo e a distância, os sentimentos são sempre os mesmos. A minha tia, por ser casada com um tio muito precocemente ido deste mundo aos 50 anos (na minha família há várias mortes com esta idade e eu estive quase a ir também), é também minha madrinha de Crisma e foi das pessoas que me influenciou no gosto pela cozinha e pela doçaria. Para fazer justiça, foram as minhas duas madrinhas bem como uma prima e mais tarde comadre sendo esta quem me proporcionou acesso livre ao seu caderno de doçaria familiar e com quem fiz o primeiro doce, o meu afamado pudim de abóbora, que elaboro desde então todos os dias 31 de outubro, tendo apenas falhado o ano de 2014, ainda não tinha 10 anos. Enquanto escrevo isto tomo consciência da profundidade da sua influência pois são naturais de duas das zonas com melhor gastronomia deste país: Minho, a do baptismo


e Ilha Terceira, a do Crisma. Ambas as madrinhas me influenciaram nesta área, na minha educação pois são também pessoas de elevada moral e ética, fortes princípios e valores e até nas festas e receções que sempre dei enquanto vivi na ilha Terceira e que foram desaparecendo em São Miguel até não existirem mais, o que sucede por outros motivos mas que eu já estava a pensar retomar, pois ainda que tenha uma casa demasiado pequena para o que foram sempre as casas onde vivi há sempre forma de o fazer e estou pronta a redescobri-lo.
Os toiros, bonitos de presença, eram fraquinhos de bravura e o arraial tinha menos pessoas que aquilo de que me recordo.

Fomos desfrutar da cozinha simplesmente deliciosa da minha tia e da minha prima. A Aidinha saiu à sua mãe com quem aprendeu desde os genes. Se me influenciou a mim, imagine-se à filha!!! Comi a melhor sopa de legumes da minha vida e sinto-me inspirada a tentar ir além das minhas monotonias. É que a sopa é algo que não me sai bem nem eu gosto de fazer. Coro de vergonha em comparar as minhas com a que comi hoje mas a madrinha deu-me umas dicas e vou colocá-las em prática quando regressar. Provei vários petiscos, tudo do mais delicioso e destaco um pudim de forno com queijo Philadelphia que é algo indescritível. Meia colher de chá que aquele é dos tais que uma colher de sopa me provocaria uma cólica biliar. E, de novo, com tão pequeno pedaço fico tão satisfeita como se comesse uma fatia inteira. A minha querida amiga Adília demonstrava imensa pena de mim porque só dou uma dentadinha muito pequenina: num rissol, numa tosta com paté, no bacalhau de natas. Mas fico muito satisfeita e sinto-me muito melhor do que quando me empanturrava. A sopinha é que marchou toda. Foi comer e conversar, entre família, amigas e novas pessoas que conheci neste espaço de extrema generosidade, penso que só existente nesta ilha e que inclui a abertura das portas da casa e sentar à mesa pessoas que não se conhecem porque em dias de festa todos têm lugar e os anfitriões são de uma generosidade inigualável. E o tempo voou.
Antes de sairmos da Base houve oportunidade da Adília me comprar Centrum, aperitivos e chocolates, para nós na toirada de amanhã e para oferecer e, minha alma ficou parva: em tudo gastei tanto como seria em 2 meses de Centrum no mercado português, levando, só deste para mais de 6 meses.

O meu telemóvel ficou sem bateria e eu tirei menos fotos do que gostaria. Neste momento está a carregar porque amanhã, há de ser o grande dia de toiros, se Deus o permitir.

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