sábado, 11 de junho de 2016

Entaladíssima. Ou melhor, impacto alimentar. Ou uma visita ao Hospital de Faro



Ontem tive mais uma experiência destas que eu continuo a ter esperança de pararem um dia. Que eu possa ter estabilidade sem nunca saber quando vou visitar um hospital. E que me confirmam que a viajar é para onde hajam cuidados de saúde de segurança. De modo que alguns países terão de esperar não só por melhoria financeira mas que a minha saúde pregue menos sustos.
Chegámos a casa da minha prima-irmã (só não é filha do mesmo pai e da mesma mãe, mas é mais velha do que eu 7 anos e meio, quando eu nasci já vivia na nossa casa pois veio com 18 meses, de modo que a Liliana é irmã de coração e criação) perto da meia-noite. Levámos mais de 1 hora entre o Areeiro e a Ponte Vasco da Gama. Em casa daa minha prima come-se divinamente. Havia uma canjinha a que eu não resisti. Ainda olhei para o pedaço de perna de frango caseira e sabia que o tinha de mastigar bem. Mas com o dessossego de falar (bem que somos ensinados a não falar com comida na boca!) com a Liliana e a minha mãe, escorregou-me pela garganta abaixo. Senti que estava entalada. Não me afligi demasiado mas fui fazer as manobras de vómito. Não saiu. Pelas 2 da manhã fui deitar-me e acabei por adormecer pois estava cansadíssima. Acordei e continuava entalada. O Jorge ainda tentou que eu comesse a papa de fruta do pequeno-almoço mas vinha tudo para fora. A água também vinha para fora. O meu cirurgião em Ponta Delgada já me tinha dito que quando isso suceder devo beber Coca-Cola. Mas eu não queria porque há 1 mês sucedeu-me e a bebida esfolou-me a garganta toda, acabei afónica e com uma faringite. O Jorge disse-me para fazermos Reiki. Eu estava muito ansiosa e ele falar-me nisto agora fez-me chorar. Ele é praticante de modo que o fizemos os dois. Adormeci de novo. Mas quando acordei lá estava. Tinha que ir á Coca Cola. Tudo o que tentei beber saía. Desta vez conseguia engolir a saliva; às vezes nem isso. O efeito da Coca Cola é horrível, sinto-me afogar. Mas não resolveu. Estava com muito receio de ir ao hospital. O que se ouve dos algarvios nem sempre é muito bom. Mas sabia que assim acabaria por desidratar. Na minha mente tentava pensar como resolveriam o assunto. Não fui procurar na internet, penso que nem sei como o devia fazer. Então, pelas 17 horas, decidi ir. A Liliana acompanhou-nos. Fomos para Portimão. A triagem foi rápida com uma enfermeira atenciosa. A administrativa é que me pôs de pé atrás com a sua “simpatia”. A indicação era que a pulseira amarela demorava 30 minutos. Esperámos 1h10m e acho que entrei porque a minha prima se meteu pelo serviço dentro e reclamou. Entraram pessoas que estavam atrás de mim e eu já estava a perder o pio que é a minha primeira fase de ansiedade. Fico calada. Reparava em tudo á minha volta e já sabia que não há gastroenterologista nesse hospital. A recordação que tinha do Hospital do Barlavento Algarvio não era essa e estava a sentir-me insegura, inquieta para sair dali e ir para Lisboa. Ao menos tinha por onde escolher.
Depois da minha prima ter reclamado saltou-me a tampa porque lhe disseram que já tinham chamado e nós não ouvimos. Pois se não se ouve! Mas estávamos em frente à porta. E não, não tinham chamado. Quando cheguei perto do médico respondi-lhe meio torto. O médico é Argentino, Dr. Abel (não me recordo do último nome) e foi adequadíssimo no seu trato comigo. Tanto que me acalmou imediatamente. Mais tarde perguntar-me-ia como me tinha acalmado tão rapidamente e eu respondi-lhe:
- Porque o senhor sabe falar com as pessoas e vejo que também sabe o que está a fazer.
Ele perguntou-me se isto já me tinha acontecido antes e se tinha bebido algo com gás.
Palpou-me o abdómen, disse que a vesícula estava muito bem mas havia sinais de defesa no epigastro. Perguntou se tínhamos meio de deslocação porque para as ambulâncias estava caótico e a gastroenterologia só funciona até às 21 horas. Eu pedi a sua opinião quanto a ir para Faro ou para Lisboa. Ele disse que ficaria ao meu critério mas que em Faro seria bem atendida e perguntou-me se eu queria que ele falasse com o gstroenterologista de serviço aí. Sim, eu quis. Ele telefonou na minha presença, explicou a situação e depois passou uma carta para entregar no SU de Faro. Ainda lhe perguntei se seria com anestesia e ele disse que sim, que ninguém tem que sofrer nos dias de hoje. Para o Jorge uma endoscopia é feita com a maior facilidade. Eu continuo a achar um horror. De modo que seguimos para o Hospital de Faro eu antecipando o alívio da situação e sem as agonias que a entubação me faz.
Em Faro foi tudo rapidíssimo, entrar, admissão, triagem e chegar ao serviço de endoscopia.
O médico, Dr. Bruno Peixe, logo me agradou no seu trato e explicou-me que se tentaria sem anestesia. Fiquei apreensiva, mas o que fazer?
Não conseguiu. Apesar de muito calmo, extremamente humano dizia-me “Vamos querida, para não termos de anestesiar.” Ainda viu que havia “impacto”, assim se chama, eu não sabia. Ou seja, um pedaço de comida no final do esófago.
Da assistente operacional nada a dizer e a enfermeira, Telma Sebinha, simplesmente uma profissional extremamente humana. Agora divido assim: enfermeiros que me honrariam em ser meus alunos e os que me envergonhariam. Claro que está no primeiro grupo.
Chamado o anestesista, chegou em menos de nada. Entretanto o gastro explicava-me que isto sucede em gastrectomizados mas também em pessoas normais, nestas especialmente com ossos e espinhas. Confirmou comigo se a carne não tinha osso. E explicou-me algo que eu também não sabia: sucedendo, é vomitar para expelir, não resolve, bebida com anidrido carbónico, não resolve, hospital, pois é uma situação mais urgente do que uma hemorragia pelo risco de necrose. Eu já estava assim há mais de 18 horas. Tanto que ele me priorizou relativamente a outro doente. Deus pôs as mãos. Ou o Reiki. Ou algo. Ou simplesmente também me acontecem coisas boas.
A enfermeira tentou puncionar veia no sangradouro direito. As minhas veias não ajudam ninguém porque além de nunca terem sido boas, estão muito calcificadas por tanto terem sido puncionadas, ainda que tenham melhorado bastante com a natação. Conseguiu no sangradouro esquerdo. O garrote também é dos de borracha mas com uma enfermeira assim, ela podia ter apertado de modo diferente ou picado mais vezes porque o desconforto físico é extremamente atenuado se for por uma pessoa que nos trata como seres humanos. E isto eu quero que os meus estudantes o saibam. E todos os profissionais. Sinto-me na obrigação de explicar isto aos enfermeiros para os quais eu contribuo na sua formação. É a relação humana que estabelecem com as pessoas que fará toda a diferença para estas enfrentarem o que quer que tenham de enfrentar.
O anestesista, Dr. Alexandre Buketov, muito simpático, humano e carinhoso também.
Ainda vi a grande seringa de Propofol, o anestesista disse-me “até já, Ana Paula” (Acho que todos dizem) e lá fui eu, primeiro sentindo a cara aquecida e a picar (não me recordo de esta sensação de outras vezes) e depois apagar, mas não é incómodo. Tento sempre nesse momento pensar em alguém que amo muito. Ou numa situação muito boa. Na primeira intervenção cirúrgica o meu grande medo era a anestesia. E tinha planeado o momento de indução. Desta vez foi Nossa Senhora de Fátima e a minha experiência mística de Fátima em abril que me veio à mente: “Não tenha medo, eu estou sempre contigo.”
Acordei com a assistente operacional a mostrar-me o pedaço de carne. Achei enorme mas tanto o médico como a enfermeira me disseram que já viram muito maiores. Soube que tenho uma ligeira, foi a palavra que o gastro usou, estenose (aperto) da anastomose (ligação entre duas partes anatómicas que originalmente não existia) esófago-jejunal (o esófago liga-se ao jejno, de modo artificial,feito em cirurgia), que é uma situação fácil de resolver por via endoscópica e no seu relatório aconselha, consoante as minhas queixas, ponderar dilatação.
Claro que os meus cuidados com a mastigação têm mesmo de ser redobrados para evitar outros episódios. Tinha-me sido explicado em Ponta Delgada que com o tempo diminuiriam. Este ano já me sucedeu 3 vezes, desta chegando a este ponto. Pela gastrectomia sim, diminuiria porque o duodeno se adapta. Mas neste caso a estenose, como complicação tardia, pode estar a atrapalhar. Seja como for, comer devagar, muito devagar (se não tiver tempo como sucede em épocas de muito trabalho, é melhor nem comer), mastigar muito bem (até os sólidos se tornarem líquidos) e ter os cuidados no caso de suceder.
Saio da situação anestésica bem. Só na primeira vez tinha muitas dores e foi o primeiro embate com a desumanidade dos enfermeiros do hospital de Lisboa pois a enfermeira desata a brigar comigo por ter dores “estas operações doem muito, o seu médico devia ter-lhe dito”. “Pois, não disse e agora? Posso ter um analgésico?”, perguntava-me a mim mesma. O que acabou por suceder, claro. Então eu não refilava e tinha acabado de despertar. Hoje não me calo. Não aturo falta de profissionalismo nem de humanidade seja de quem for. Quem não souber lidar com pessoas que vá trabalhar com computadores.
Mas não quero estragar a boa impressão do atendimento em Faro.
Fiquei um pouco deitada até quase terminar o soro, o médico a explicar-me coisas e simplesmente a conversar. Sem pressas. A enfermeira também a conversar comigo. Ela veio trazer-nos à porta exterior do hospital, eu na maior, acordada, bem-disposta, aliviadíssima por já não estar entalada (ou melhor, impactada) e por possuir instrumentos para lidar com a situação. Sabendo o que se passa a ansiedade diminui muito. Fiz questão de me despedir com beijinho e a cumprimentar pelos cuidados que me prestou.
Na alimentação, ontem só podiam ser líquidos, hoje é pastoso. Bebi caldo de frango e sumo, além de água, claro.

Nenhuma experiência em hospitais é algo que desejemos muito. Não desejamos nada, de verdade. Mas tudo o que me suceda que seja assim. Penso que nunca fui tão bem cuidada por uma equipa. Estão de parabéns e quero que isto se saiba.

8 comentários:

  1. Muito bem. Rápidas melhoras, um beijinho grande.

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  2. Ainda bem que encontraste gente boa e profissional...como fazem a grande diferença para os doentes! Precisamos de muitos mais por todos os hospitais...sinto muito o que estás sofrendo querida amiga!

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  3. Meu Deus... dói-me tudo até ao estômago, só de ler... Rápidas melhoras, e que nunca mais aconteça!!! Beijinhos!

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  4. Ainda não tinha lido, mas foi bom dado o estado em que me encontro. Acho que ia logo começar a chorar. Já passou amiga. Beijinhos <3

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