Interrompi este blog há pouco mais de um ano.
A última entrada que estava a escrever e não terminei foi
sobre a minha ida a Madrid aquando do aniversário de Camilo.
Não cheguei a acabá-la. Sabe-se lá por quê. As coisas são o
que têm que ser. Serão mesmo? Ou o que escolhemos que sejam?
Um ano depois quando a minha psicóloga me dá como exercício
desta semana simplesmente “chorar”, eu estou a ter uma tremenda dificuldade de
o fazer. E perguntei-lhe: e se não conseguir? “Oiça a R80”, respondeu-me. Ela
conhece-me!
Bem, não foi a R80, não sei porque motivo mas deixei de a
apanhar no meu carro.
Então gravei uma pen com os meus top: Camilo (Claro!); Abba;
Bee Gees; Lionel Richie. E algumas canções mais, soltas, dos anos 80, porque a
música para mim é clássica ou parou nessa década.
E vinda da fisioterapia, foram três seguidas, daquelas mesmo
para fazer chorar (tenho o leitor de modo aleatório mas vieram todas seguidas e
que três): Chiquitita (Abba); Mientras Mi Alma Sienta (Camilo Sesto) e My Love
(Lionel Richie).
Esta entrada seria sobre estas canções e seus significados
na minha vida (uau! Finalmente vou revelar segredos, o escabroso que a minha
vida tem, os mil amantes e amores que tive, Uau! Uau!) mas há que enquadrar os
últimos meses.
Este blog nasce quando procurava os meus pedaços que se espalharam
numa cirurgia bariátrica com tudo o que correu mal (e foi mesmo tudo) e acaba
em gastrectomia total. O horror que passei a viver desde aí agravado
principalmente por uma neuropatia periférica que hoje é a sequela principal com
que vivo (tanto quanto sei, os meus interiores abdominais estão bem, e
recomendam-se, principalmente depois da última cirurgia em julho para remover a
vesícula – colicistectomia). De saúde tenho que viver com uma situação que é
uma incógnita em termos neurológicos e sem que se saiba porquê, continua a
evoluir. A causa continua sem explicação ainda que desde novembro eu tenha
passado a ser seguida por excelentes médicos no Hospital de Santo António no
Porto, de medicina interna e de neurologia (o meu neurologista no Hospital de Ponta
Delgada foi-se embora e eu fiquei simplesmente esquecida, há 2 anos e meio –
nem todos os serviços deste hospital funcionam bem, infelizmente).
Como eu escrevia, o blog nasce quando eu procurava pedaços
de mim que andavam espalhados. Fui encontrando. E em dezembro do ano passado
levo um ótimo pontapé no traseiro com as patas todas do então meu companheiro
(???ou lá o que era, que companheiro faz companhia e aquilo só fazia sombra –
nada neste blog poderá ser favorável a tal energúmeno) levam-me a enquadrar o
que tem de ser enquadrado. Alguns pedaços ficaram juntos, tinham de ficar;
outros espalharam-se ainda mais.
Tinha eu vindo do Porto com suspeita de esta neuropatia ser
algo sério do ponto de viste autoimune (afinal eu tenho lúpus discoide e podia
ser uma complicação, com tudo o que isso implicava, nomeadamente de terapêutica
e de complicações imediatas e tardias). Andava a rebentar de ansiedade porque
ainda se aguardavam resultados de exames e exames. A situação económica cada
vez pior (muito devido a tudo sucedido nos 71 dias de internamento e mais um
mês em ambulatório no malfadado hospital privado de Lisboa, mas eventualmente
não só…) e o senhor da casa como paxá sem arranjar emprego nem fazer nada por
isso. Vegetando como o fez durante 13 anos. Até que no dia 14 de dezembro chego
a casa e… evaporara-se. Com tudo o que pode levar e mais ainda. Rebentando
definitivamente com a minha situação económica. Ou pensava ele que definitivamente.
O que rebentou nem eu sei. Porque o espanto foi tanto que nem consegui
compreender o que sucedia. Não tive dor pela perda. E continuo a não ter. O que
me roubou em termos financeiros, emocionais e de tudo o que é contrário à
vivência em comum é tal que não posso sentir nada de desgosto. A deslealdade
pode ser completamente espantosa – e é; muito pior que a infidelidade que eu
conheci na minha vida aos 17 anos- mas ninguém tem culpa de se apaixonar por outra
pessoa; ser desleal é não valer nada. Ponto! Só espanto. Recordo, e apenas isso
dá sentido a uma relação que não foi de 14 dias nem de 14 meses mas de 14 anos
de me perguntar: o que fez este fulano a tudo o que senti por ele? Amei-o. Foi
o homem da minha vida (que estranho é escrever isto e começo a duvidar
sinceramente). Mas deixou de ser. Não há amor que aguente tanto egoísmo, tanto egocentrismo
e aquando da minha doença foi o enterrar de vez. A sua ingratidão não se
manifestou apenas quando me roubou e fugiu. Vinha desde que eu adoeci. Ele que
adoecera em 2008 e em 2010 e me teve e à minha família ao lado (a dele nem se
chegou), foi-se, abduziu-se roubando tudo o que eu tinha e o que eu não tinha,
em todos os aspetos, em vésperas de um diagnóstico que poderia ser complicadíssimo.
Como eu disse a amigos espanhóis que adoro, a sanidade só fica porque como
canta Julio Iglesias (que eu não suporto): “Es sempre más feliz quien más amó y
eso sempre fui yo”.
Dois dias depois chegou o referido diagnóstico. Não se
confirmavam as suspeitas. Novamente se apontava para uma neuropatia carenciada
e não de natureza autoimune. Eu estava (por acaso?) em frente á Igreja do
senhor Santo Cristo, ali tinha estacionado o carro, o que nunca faço. Só pensei
“Paula, afinal não estás tão doente como se pensava. Então, arregaçar mangas,
mãos à obra, e levantar a cabeça, a vida, tudo”. E assim foi!
Foi, recusei chorar por um rato que deixa o navio quando ele
está a afundar e ainda leva os restos do pão e das migalhas. Tive o apoio
incondicional, emocional e financeiro do meu filho mais novo. Foi ele que me
meteu comida na mesa e gasolina no carro no mês de Natal. E ainda pagou
consultas e mil coisas mais que estavam penduradas e que eu nem sabia. Isto não
se esquece nunca! É brutalmente humilhante. Mas é a verdade e também esta lição
tive e tenho de aprender: aceitar ajuda. Chegou uma vez mais apoio de amigos
que estão sempre.
E desde aí foi lutar, lutar por manter á tona.
Não sentindo, e esse é o espanto, minimamente a falta de
quem nunca me mereceu e eu nunca dera por isso. De quem não fazia nada, me
ignorava e negligenciava na minha doença (e aí eu comecei a desligar), de quem
me comprava produtos de linha branca para comer, eu que tinha que me alimentar
bem, mas para ele era do bom e do melhor. Comprava com o meu dinheiro, ainda
por cima. Com tudo isto vem a noção de “Paula, tu és completamente burra!” e
este foi o sentimento que me acompanhou por muito tempo. Até que começo a
compreender. Sim, fui ingénua, fui burra. Mas fui por amor. Por sentimentos
nobres. Que semelhante pessoa não apenas nunca mereceu mas nunca foi nem será
capaz de sentir por alguém. E esse é o pensamento que dá sentido a esses anos –
fui só eu, mas fui verdadeira.
Então os pedaços a levantar deixaram de ser apenas
emocionais e físicos. Agora é lutar para manter a dignidade de pagar as minhas
contas de cabeça erguida. Para o que tenho a imediata ajuda do meu filho e da
minha mãe. Eu sou apenas um de três, com algumas ideias e jeito. E vamos para a
frente, com muita dor, muita ansiedade, mas em frente.
Meses depois vem a noção de que o luto pelo parasita não se
fez; talvez se esteja a fazer. E tem de ser feito. Mas não porque lhe sinta a
falta. Que pena não ter ido anos antes; ao menos eu tinha ficado noutra
situação. Do que sinto falta é de mim. De alguém que um dia amou imenso, se
esqueceu completamente de si para se perder noutra pessoa. (Que nunca ninguém o
faça!) O luto de uma relação em que eu acreditei e que vivi sozinha (em que a confiança
era tanta que eu nem sabia pagar as minhas contas nem aceder às minhas contas
bancárias – ele tomava conta de tudo e literalmente tomou muito bem conta de
tudo!!! Outro erro, que nunca ninguém o faça!) – e isso já é motivo suficiente para fazer
luto. Porque ainda que eu tenha vivido uma relação mentirosa, cobarde e vil,
vivi. Não sei do que tenho que fazer luto, penso que só de mim mesma, da minha
inocência, que perdi completamente. Da capacidade de amar e me entregar. Eu que
sempre tive que amar muito e horrorizava a solidão, não consigo sequer imaginar
seja quem seja debaixo do mesmo teto que eu. É disto que eu tenho que fazer
luto? Penso que sim, de ter sido alguém com um grande coração que secou. Continuo
a acreditar no amor e nas relações a dois – mas não para toda a vida (as que duram
são, muitas vezes, por motivos bem racionais e válidos, ou por companheirismo e
amizade, o que é extremamente precioso) – mas não para mim.
Então, neste turbilhão, a par do desprezo e do asco que são
os sentimentos que sinto por tal pessoa, vêm outros sentimentos: a noção de
injustiça (eu não sou santa mas não merecia, ninguém merece tanto em simultâneo);
o sentimento de falta de esperança (quando endireito tudo? Aguentarei? E se
terminasse tudo de uma vez?). Dizem-me que não estou deprimida, que estou a
fazer luto. E eu continuo a não saber muito bem que luto estou a fazer. Porque
dessa relação só sinto alívio. Deve ser a fazer luto de mim mesma.
Bem, eu ía escrever uma entrada com o choro que consegui com
essas três canções. Mas já não tenho tempo… Hoje e o resto desta semana já não
consigo.
Se tudo isto me ajudar a acordar menos angustiada, a ter
mais esperança, valerá a pena.
Se puder ajudar quem vive a dor da falta de saúde, da
infidelidade e da deslealdade (esta muito pior do que aquela), então de novo, o
blog vale a pena.
Dos meus segredos mais íntimos? Alguns sairão…. Ou não….
Afinal, não sei como acordarei amanhã….
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