(É outra nota publicada no Facebook - Pelo aniversário do Diogo, ele que é o centro sensível e nevrálgico da minha vida)
Por ser tua mãe.
Creio firmemente que todas as
gravidezes, planeadas ou não, são uma bênção. Esta foi planeadíssima. Eu queria
que nascesses em finais de abril ou, de preferência, no meu mês favorito: maio.
Mas tu sempre tiveste uma personalidade muito forte. E resolveste deitar-te na
minha caminha uterina 9 meses depois. Eu já andava muito ansiosa com receio de
não conseguir engravidar. Se chegasse a um ano iria começar a procurar ajuda
médica. Mas afinal, a 2 de maio de 1986, duas semanas após terminar o meu curso
e começar a trabalhar, soube que estava grávida.
Está descrita a ambivalência em
todas as gravidezes. Porém, sinceramente não me recordo de ter. Eu queria esta
gravidez mais do que tudo na vida e queria que fosse um rapaz. Queria tanto que
acabei por ter hiperémese gravídica (que nome este, para significar, tão
somente, vomitar demais durante a gravidez). De facto, vomitei nas semanas
iniciais e… até ao final. Na véspera de nasceres, lá estava eu agarrada a uma
barriga maior que eu, a vomitar. E marcou-me a estúpida da conversa que quando
a grávida vomita é porque quer vomitar o feto por não desejar a gravidez. Eu
não era especialista, mas sabia que se havia algo que eu queria era esta gravidez
e este bebé. Mais tarde, na minha especialidade, aprendi que o receio de perder
a criança pode levar à mesma situação.
Foram 41 semanas e 3 dia pesadas.
Literalmente! Por muitas razões e porque nasceste com 4.270 Kg e 54 cm. Em
estatura, dos maiores bebés que eu já vi. A partir daí cheguei a ver com 56 (1)
e 55 (2). Com 54, também, mas muito poucos.
O parto foi fácil, bastante fácil
até, não obstante um descolamento parcial da placenta que provocou uma
hemorragia pós-parto. Amamentar foi ainda mais significativo do que parir.
Senti-me mais mãe a amamentar do que aquando o nascimento e até hoje defendo
esta prática por motivos científicos mas muito particularmente pelas minhas
vivências. Apesar dos erros cometidos porque o que se sabia então, era, no
mínimo aberrante, mesmo por nós, profissionais de saúde (10 a 15 minutos em
cada mama, por exemplo, fazendo com que a criança nunca chegasse à saciedade…).
Quando nasceste (o parto foi o
primeiro bebé macrossomático de uma médica estagiária em obstetrícia da qual
gostei muito do acompanhamento e trabalho), lá veio a necessidade imperiosa de
retirar o bebé de cima de mãe, imediatamente. Perguntou-me se queria cortar o
cordão umbilical. Não quis; não tive coragem (a psicanálise que interprete como
quiser). Estavas tão rosadinho (como obstetra não acredito num índice de Apgar
de 10 ao 1º minuto, mas se algum recém-nascido o teria, serias tu), porque mo
haveriam de tirar assim com tanta pressa? Depois de verbalizar que eras
parecidíssimo com a tua avó materna (mal sabia eu que serias em muita coisa sem
ser só fisicamente – na educação, na descrição, na ética), gritei: “Não me
tirem o miúdo daqui!”
Eras um rapaz, como eu queria, e
que já sabíamos desde novembro quando vim fazer uma ecografia a São Miguel
(sempre desconfiaram de gravidez gemelar) pois não havia ecografia na Terceira.
Foi nessa viagem de regresso que apanhei o enorme susto de viagem de avião que
me levou até 1998 a evitar este meio de transporte (mas isto é outra história).
Cresceste sempre muito e bem! O
babygrow 0 nunca te serviu. Aos 2 anos, a roupa era de 4; aos 3, de 6, e sempre
assim. Ainda não tinhas 10 anos e medias o mesmo que eu – 1.64m e, rapidamente,
mais do que o teu pediatra, o que me exigia um grande esforço para não me rir
quando íamos às consultas.
A infância não foi muito fácil por
adoeceres muito frequentemente. Primeiro uma bronquiolite às 5 semanas que deve
ter marcado a asma com que hoje vives (bem). E com convulsões febris, do que eu
tinha pavor mas esforçava-me por me controlar porque se há algo que nunca quis
foi que os meus filhos fossem hipocondríacos. Apanhei muito sustos, mas tudo
acabou em bem.
Psicologicamente, foste sempre
educadíssimo e muito simpático. Fui eu que te eduquei??? Sinceramente acho que
há coisas que vieram contigo. Como os teus avós (o meu pai e a tua avó, mãe do
teu pai). Muitas vezes penso que se existir reencarnação, és a do meu pai. São
parecidíssimos em muitas coisas de carácter, nos pés, nos cheiros, no
cavalheirismo. Mas se calhar, tão somente, fiz um bom trabalho e dei-te alguns
bons exemplos. E outros menos bons estou ciente disso.
Teimoso! Ui, como eras teimoso. E
orgulhoso. É célebre na família uma ação tua, com 4 anos, com incapacidade de
pedir desculpa. Mas lá aprendeste e a partir daí passaste a fazê-lo com a maior
naturalidade. Às vezes ate demais.
Foste uma criança alegre. Penso que
feliz, mas alegre, sem dúvida. Com uma energia que dava para dividir por uns
quantos outros meninos. Necessitávamos ter um olho em cada cabelo pois
colocavas-te em risco, muito frequentemente. Algumas palmadas foram por isso. A
boa educação, o saber estar, esteve sempre presente. Com 3 anos fazias questão
de comer tudo, incluindo peixe, de garfo e faca. É das coisas que não me
recordo de te ter ensinado. Porque me divertia e me maravilhava com as tuas
maneiras à mesa. É algo que sempre apreciei, o saber estar, e Deus abençoou-me
com isto. Nunca, mas nunca me envergonhaste em público ou privado.
As boas maneiras, o cumprimento a
todos, outro motivo de orgulho. Recordo um dia, não tinhas 2 anos ainda e
atravessaste a rua de mão dada comigo para irmos para o carro. Passava um
velhote. E tu “Bom dia!” O senhor olhou para ti surpreendido. E respondeu,
sorrindo “Bom dia, querido!” Fizeste aquele senhor feliz logo de manhã e a mim
também.
Comigo eras sempre muito educado.
Birras, uma que me recorde. Num supermercado. Levaste uma palmada, daquelas em
cima da fralda. Ficou até hoje. Nunca mais houve birras nem “quero isto”.
Bastava eu dizer “A mãe hoje não tem dinheiro”, ou “A mãe hoje não pode
comprar” e não havia peditórios nem pedinchices. Aliás, com o tempo revelou-se
o reverso da medalha: mesmo em tempo de vacas mais gordas não querias prendas
caras nem coisas de marca. Todos recordamos a noite de Natal de 1989 em que,
abrindo tantos presentes paraste e disseste “Não quero mais!!!”. Até hoje és
assim, o que é desconcertante porque se eu posso gosto de mimar e oferecer
coisas boas. Mas hoje, nos dias de hoje, tudo isto em que transformaste uma
bênção, é que me está a ensinar a gerir o dinheiro. Ah, e isso não fui eu que
ensinei, mesmo. E que eu saiba, ninguém! Queres uma aposta que és mesmo a
reencarnação do teu avô Manuel?
A coragem também esteve sempre
presente na tua forma de ser. Nunca tiveste medo do mar. E como te adoravas
atirar das escadas com a capa de Superman!
Ajudar os mais carenciados também
sempre esteve em ti. Abençoaste e abençoas muitas pessoas com o que dás –
comida, roupa, tempo, uma conversa. Por aí andarão muitos que o sabem
reconhecer. Um dia destes, uma cliente deste nosso negócio que levas avante e
me apoias e arrastas dizia-me “Tem um grande, grande filho!” E contava-me
particularidades tuas. Que eu não sabia de pormenores mas sei da essência.
Organizado, meticuloso, arrumado.
Toda a gente sabe qual é o quarto mais arrumado em casa. Desde sempre. Aos 3
anos já fazias a tua caminha e querias ajudar. E ainda dizias que eu não era
arrumadinha como a tua madrinha…
O que não gostavas mesmo era de me
ver estudar. Eu não te queria deixar na ama mais tempo do que o das aulas e
quando vias os dossiers para estudar era o mesmo que ver sei lá o quê.
Começavas a fazer de tudo para chamar a atenção. E a algumas amigas também.
Ainda hoje falamos disto, elas e eu. Culpa minha! Devia deixar-te um pouco mais
na ama para não criares aversão. Não foi bom para nenhuma das partes. Mas filho
não traz livro de instruções…
A humildade foi sempre uma das tuas
características. É bom ser humilde. Mas demais, não. Se houve professores, e
aqui não posso deixar de fazer uma vénia ao Professor Gaspar, que souberam
reconhecer e respeitar, alguns, infelizmente, humilharam-te. Quero esquecer e
tu também, mas a vida mostrou-lhes. Nomeadamente uma “querida” de Português que
te humilhou (mas era parente de alguém, como viemos a saber, que não gostava de
mim) para no 12º ano ganhares o prémio de melhor aluno de português da Escola
Secundária que frequentaste.
O teu sentido de humor foi sempre
algo que me fascinou. Um sentido de crítica social que teriam feito de ti um
grande escritor se tivesses querido e surgido a oportunidade – porque os dias
de hoje são mais de “surgir oportunidades”. E me ajudou muitas, muitas vezes.
Algumas frases tuas ficaram história. Entre os dois temos muitas vezes essas
situações únicas de um começar uma frase e o outro acabar ou acabamo-la em coro
e a rir. É uma bênção!
Nos momentos bons mas especialmente
nos menos bons, tens sido o meu companheiro de todas as horas. Em 2001-2002,
vivi intensamente só para ti. O Verão de 2002 foi só para ti porque sabia que ia
embora em setembro (soubesse o que sei hoje e mais ninguém teria entrado na
nossa vida – perdoa filho!). No Mercedes velhinho íamos pela 1, 2 ou 3 da
manhã, passear nesta linda ilha, ouvindo música e cantando a plenos pulmões.
Descobrimos as neblinas maravilhosas das Sete Cidades, uma paisagem mágica que
ainda hoje, de noite, é a minha preferida. Mas só contigo tem aquele encanto. E
cantávamos “Feeeeellliiiinnnggggggssssssssssssss” enquanto tu fazias vozes e
nos riamos a valer.
Os teus dotes em várias artes
sempre me babaram. Muito criativo, fazias coisas lindas em criança, colagens
humorísticas, que eu adorava. No ilusionismo eras magnífico. Ainda hoje estou
convicta que se não fosse a tua humildade e timidez e se estivéssemos noutro
país terias ido muito, muito longe.
Sempre tiveste jeito para a música.
Aprendeste piano, tiveste uma professora privada. Sozinho aprendeste viola,
acordeão e sei lá que mais. Não sais a mim não, que só toco campainha de portas
e mal. Pertenceres aos Tunídeos foi para mim motivo de inchar de orgulho! Nunca
houve rascaço ou tuno mais lindo!
Não me foi fácil ver-te desperdiçar
tantos talentos. Mas tive de respeitar. É isso que uma mãe também tem que
fazer.
Sempre quiseste ser psicólogo. E,
também não tenho dúvida, perdeu-se um ótimo psicólogo clínico. Mas não foi a tua
opção ou, melhor, deixou de a ser. E tive que respeitar. Sem dúvida. Vou-te
vendo a crescer como profissional e tenho um enorme orgulho. Na capacidade de
trabalho a qualquer hora, na entrega, no sentido de responsabilidade e de
ética. Perdoa a falta de modéstia, filho, mas em algumas coisas acho que saíste
a mim… nomeadamente numa coisa que temos os dois e que eu aprecio: não fazemos
fretes; quando somos amigos, estamos a 200%. Mas se não apreciamos alguma coisa
ou alguém não disfarçamos. Anda que profissionalmente o tenhamos que fazer,
isso aprende-se, pessoalmente não e não usamos máscara.
Ir de férias não era a mesma coisa
sem ti. Daí, que as que mais me marcaram pela positiva foi Porto Seguro, a vez
que foste a Salvador, os EUA e a última vez que fui a Maiorca. Destaco as
nossas brincadeiras na piscina em Salvador, deitados de costas, na água
quentinha, a ver nascer as estrelas. Tão bom!!!! E, em Maiorca, todos os
passeios, o Cabo Formentor, as piscinas, e os nossos passeios noturnos, para
tomarmos uma bebida. Escrevi no passado. Sabemos porquê. Talvez ainda tenhamos
outras oportunidades…
Logo a seguir, ainda Verão de 2014,
veio a nossa prova de fogo. Não vou entrar nela porque não consigo imaginar
sequer o que passaste. Foi mau demais. Ninguém tem de passar por aquilo como
tu!!!!! Apenas me deterei para agradecer-te. Na noite em que saí de coma,
quando me apercebi do que estava a suceder, senti que ia. E queria ir. Depois,
eram para aí umas 3 da manhã, vi-te onde estiveras de dia. Fechei os olhos e
quando abri, estavas ali. E senti que tinha que me agarrar à vida. Por ti.
Ainda precisavas de mim e eu não podia ser cobarde e virar-te as costas. Muitas
vezes nessa noite e nas seguintes disse a mim mesma: “Por ti, Diogo!”
Nesses cinco meses de calvário
nunca saíste de perto de mim. Entre 19 de janeiro e 6 de fevereiro de 2015
ficaste literalmente internado comigo no Hospital da Luz. Eu dizia-te que
fosses até ao Colombo, que fosses dar uma volta. Nunca saíste do Hospital. É
impressionante. E ultrapassa tudo o que se consiga adjetivar. Também nesses
dias me salvaste de novo a vida. Literalmente. Quando caí para trás, não fossem
os teus reflexos rápidos a segurar-me a cabeça e o meu estado neurológico e
extremamente fraco teriam feito o que evitaste. Mesmo a palavra “bênção” parece
pequena perante tanto.
No dia da mãe de 2015 ofereceste-me
um livro. Com uma dedicatória que ainda hoje não estou certa de ter
compreendido: “Obrigada por nunca desistires.” Mas, meu filho, se eu nunca
desistir foi mesmo só por ti!
Eu acredito muito na nossa conexão,
numa ligação e vínculo que podem vir do facto de te ter amamentado mas penso
que vem de algo mais. Não sei o que é mas sei que existe e é invulgar. Na
véspera da minha gastrectomia total foste parar ao serviço de urgência levando
o meu cirurgião a pensar que antes de operar a mãe ia fazer uma apendicectomia
ao filho. Também, durante anos, tínhamos o mesmo sonho e pesadelo de repetição.
E chegámos a sonhar o mesmo em simultâneo em quartos diferentes.
As últimas semanas trouxeram de
volta o nosso mundo, só de nós os dois. Onde agora me tens sido tu a guiar e eu
deixo-me levar porque sei que estou nas melhores mãos, cabeça e coração. Só tu
farias desta crise o que ela está a ter de tranquilidade. Tenho descoberto
coisas que te enaltecem ainda mais e das quais só tenho de pedir desculpa e
perdão, por ter pecado por omissão. E isso quero fazê-lo publicamente. Eu não
aguentava nem 1%. Não conheço quem aguentasse o que tu aguentaste. O que te faz
ainda Muito Maior.
Hoje chegas aos 30 anos, uma data
redonda. E eu tenho de dizer a mim mesma que ainda, sendo eu a mãe, é contigo
que aprendo e tenho aprendido muitas coisas. És daquelas pessoas (e de muito
poucas eu digo), que quando crescer quero ser como tu.
Muita gente entrou e saiu da minha
vida. Nas últimas semanas e dias vou descobrindo que algumas não quero mesmo
nela. Cada vez tenho mais a certeza que a única permanente e que me merece em
permanência és tu. O que me exige cautela pois tenho de saber deixar-te ir. É a
lei da vida e o que e menos quero (se não gosto de ser pesada para ninguém,
para ti é que não posso mesmo) é ser um peso na tua vida.
Tens sido um exemplo de constância,
lealdade e fidelidade para comigo. Sempre me aceitaste como sou, conhecendo-me
como ninguém (em muitas coisas que não necessitam ser ditas) e aceitando-me
incondicionalmente. No mínimo tenho que merecer e retribuir. É uma bênção mas
também uma grande responsabilidade que tenho.
Os filhos são sempre os nossos
meninos. Serás sempre o meu menino. Mas também és um Grande Homem e uma Grande
Pessoa. Que nem eu nem ninguém o esqueçamos. Ser tua mãe foi apenas um
privilégio e uma bênção que Deus me deu. A maior. Que eu espero saber sempre
honrar.
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