domingo, 8 de outubro de 2017

Muito obrigada Senhor Professor



(Igualmente publicada em Nota do Facebook, é a singela homenagem a quem é muito muito grande)

No próximo dia 14 cumprem-se 25 anos do meu início de funções na então Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada e a minha mudança definitiva para São Miguel.
Então, o que hoje é um Departamento da Universidade dos Açores (UAc) era uma organização completamente autónoma e o contato com os docentes da universidade e mesmo com os órgãos de gestão era mínima.
O meu conhecimento do Professor Doutor Ermelindo Peixoto era apenas do que escutava. E sempre que se falava nele, pelo menos na minha perceção, era de alguém muito competente, exigente, mas distante. Havia algo de reverente mas também de temeroso.
Vi-o pela primeira vez, com a certeza de quem era, na arguição de uma tese de doutoramento. Fiquei fascinada. Há tempos que queria desenvolver a minha tese de doutoramento num determinado tema (há anos que sabia o que queria), pensei, ou melhor, senti “Encontrei o meu orientador!” O pormenor, a exigência, a cientificidade, a coragem da sua intervenção foi algo com que me identifiquei; tinha tudo a ver comigo, com as minhas necessidades da parte de um orientador (já tinha experiência suficiente com orientadores para saber o que queria e o que não queria neste fator que, para mim, é o mais importante no sucesso de um empreendimento desta natureza e vastidão).
Contudo, passaria algum tempo e foi o meu filho mais novo, na sua licenciatura em Psicologia, que foi aluno, antes de mim, do Professor Ermelindo Peixoto. O Diogo tinha um respeito muito profundo, bem como carinho e consideração por este professor que reconhecia como muito exigente mas extremamente humano. E tudo o que o meu filho estudava ou desenvolvia para as unidades curriculares do Professor Ermelindo, era com o maior empenho e motivação.
Chegou o momento de eu avançar mesmo como meu projeto de tese. Segui todos os procedimentos que me foram indicados mas eu queria aquele tema. E Aquele orientador. Temia que o tema não se enquadrasse nas suas áreas e não me aceitasse. Por isso li tudo o que tinha publicado e que estava disponível. E enquadrei os temas na problemática central do que seria a minha tese.
Na abordagem aos orientadores o primeiro encontro foi com a Professora Isabel Estrela Rego (eu queria uma investigação de natureza mista e imediatamente esta Professora com quem a comunicação foi, desde o primeiro momento, fluida e afável, se mostrou uma bússola numa orientação sem mácula, mantendo-me na rota conceptual e metodológica).
Finalmente, chegou o dia de bater à porta do gabinete do Professor Ermelindo Peixoto. Algo ansiosa porque temia que não aceitasse orientar-me, porque no meu imaginário era tão grande e distante que ía lá querer saber de mim! Bati literalmente à porta. Pontualíssimo, como sempre. Outra característica que eu privilegio imenso. Seria a primeira vez que lhe falaria pessoalmente. Quando aceitou orientar-me senti-o como uma das conquistas mais importantes da minha vida (hoje, entendo-o literalmente como uma bênção). Não sei quanto tempo demorou esta primeira reunião. Mas saí ainda mais motivada, o Professor mostrou entusiasmo pelo tema, enquadrou-o, lançou-me desafios. Vim embora com a certeza de que iniciara algo muito sério mas com um grande conforto cognitivo e emocional porque me fez sentir sempre bem, aumentou, como já referi, a minha motivação, e também, a minha auto estima e a minha perceção de autoeficácia.
Em cada reunião eu saía mais forte. Era desafiada do ponto de vista cognitivo, conceptual, até de cultura geral. Como alguém muito bem disse na sua homenagem de anteontem, o Professor Ermelindo sabe de tudo, a sua cultura é vastíssima, domina diversas áreas do saber (Direito, Filosofia, Psicologia, História e, acrescento eu, escreve muitíssimo bem, sendo igualmente muito exigente neste particular) e para mim era um desafio constante, no melhor dos sentidos. Eu fazia perguntas e saía com respostas e ainda mais perguntas, o que é característico do magistério de um Grande Professor. Aprendi imenso! Porque o Professor Ermelindo Peixoto sabe, magistralmente, conduzir o nosso percurso de modo que seja um caminho de compromisso, responsabilidade, de formação, autoformação e construção – com ele o que vem nos manuais materializa-se: o estudante é o responsável pela sua aprendizagem. E ele está lá, sempre, para nos amparar, desafiar e empurrar para a frente no que é o nosso caminho epistemológico.
Era tão recompensador enviar o que era produzido e recebê-lo, receber o seu feedback em tempo tão imediato. Nunca soube o que era a angústia da espera e do incógnito (o que é muito desmotivador e eu já experimentara noutras formações). Do Professor Ermelindo Peixoto tive sempre o respeito e a consideração de me responder, de trabalhar ao meu lado e de exigir muito de mim. O meu orientador estava a ser tudo o que eu esperava e a superar em muito as minhas expectativas. Tantas vezes pensei que queria ser uma professora assim!...
Quando eu saía das reuniões (agendadas e cumpridas com pontualidade e zelo), tinha os pés fora do chão e recomeçava com todo o entusiasmo a produção científica. A investigação cada vez me fascinava mais e os meus orientadores, aqui nesta nota, muito particularmente o Professor Ermelindo Peixoto, alimentavam continuamente o enorme prazer do meu percurso heurístico.
Sempre recordarei o que sucedia: o Professor Ermelindo, sempre afável, sempre cavalheiro, nas correções “corta a direito”. Então, confesso (e já lho contei pessoalmente), quando recebia as suas correções, ficava algo ansiosa com o que leria (havia muito reforço positivo, claro, a crítica sempre construtiva, mas alguns “puxões de orelhas”). Lembro-me de uma correção em que escreveu “Não acredito que a Ana Paula escreveu isto!!!” e eu li e também não acreditei – estava tão mal escrito que nem eu mesma compreendia o que escrevera. Que vergonha!!! E pensei imediatamente: “Paula, isto é o que os teus estudantes devem sentir”, porque eu sou muito assim nas correções. Só espero que eles possam aprender comigo 10% do que aprendi com o meu orientador. Dar-me-ia por muito feliz.
Em momentos da vida pessoal muito complicados que quase interromperam o meu doutoramento, o Professor Ermelindo também esteve à altura. Com a sua humanidade e o seu humanismo, ajudou-me a compreender que “as prioridades eram muito claras”. E quando voltei, continuou ao meu lado. Sempre.
Em quatro anos tudo terminou e uma das penas que tive foi interromper o trabalho tão intenso e tão bem acompanhado.
Desde o términus da tese, teve a grande amabilidade de me honrar com o prefácio do meu livro e de o apresentar. Em todas as oportunidades, continua a fazer-me sentir bem, uma pessoa única e foi-se tornando, por tudo isto, uma das pessoas a quem atribuo mais valor e uma das mais marcantes na minha vida.
A ele já me referi noutra nota sobre ídolos. Porque não sou pessoa de ter ídolos. Mas sim de admirar muito alguém e ter o imenso privilégio de ter na minha vida modelos extraordinários. O Professor Ermelindo Peixoto é um deles.
Admiro-lhe as qualidades científicas, éticas, deontológicas, epistémicas, mas também as pessoais: a afabilidade, a gentileza, o cavalheirismo, a educação e a cultura, entre tantas outras. E a humildade. Esta característica que marca e demarca os génios. Porque sem sombra de dúvida, o Professor Ermelindo é um Génio. Detém vários tipos de inteligência descritos por Howard Gardner. Todas as instituições seriam muito melhores se tivessem mais pessoas assim nos seus quadros.
Este ano, no mês de agosto, reparei no seu aniversário. Gosto imenso de astrologia, sempre gostei e faz-me muito sentido. E quando reparei qual o seu signo, enquadrei em algumas palavras chave o que penso dele. Tomei consciência de que via no Professor Ermelindo uma figura também paternal – sim, ele tem muitas das características profissionais (cada um na sua área claro!) e pessoais do meu pai, que era do mesmo signo solar.
Por tudo isto quando fui convidada para a festa em sua homenagem pensei que independentemente de tudo, custasse o que custasse e fosse como fosse, eu teria que ir. Se não fosse a esta homenagem não iria a mais nenhuma. Não gosto daqueles almoços ou jantares por obrigação - quem me conhece sabe que é assim, sejam quais os motivos. Esta homenagem fazia-me todo o sentido e identificava-me completamente com a essência com que foi planeada. Ninguém na UAc merece algo assim; se não fosse a esta não iria a mais nenhuma.
Felizmente uma grande amiga, também admiradora do Professor Ermelindo Peixoto decidiu ir também o que me foi muito agradável porque a minha timidez natural (não se riam, sou extrovertida mas sou tímida) fazia-me ter muita dificuldade em ir sozinha. Um problema resolvido. Fossem quais fossem os outros, só uma força muito grande me teria impedido.
E foi tudo muito, muito mais do que eu esperava. Parabéns e um grande bem-haja a quem orientou, destacando aqui outra pessoa muitíssimo elevada na minha consideração: A minha querida terapeuta, amiga, colega, Célia Carvalho.
Fomos dos primeiros a chegar (eu e a Suzana, duas pessoas para quem a pontualidade é sagrada). Descobri imediatamente, pela música de fundo, que os ABBA são dos cantores preferidos do Professor Ermelindo. Também os Bee Gees. Somos ambos filhos únicos. E quando eu for grande, quero ser uma professora e uma pessoa com as suas características!
Mas o que me maravilhou foi ver como teve a amabilidade de cumprimentar cada uma das muitas dezenas (talvez mais de uma centena) de pessoas. Indo além disto: com uma palavra amável, focando os interesses, as qualidades “daquela” pessoa. Isto diz muito do carácter de uma pessoa! Depois, descobri que tem uma faceta de entertainer que eu não conhecia (afinal, nunca estive sequer numa sala de aula sua): é que conta história, leva-nos por ali fora e eu estaria ainda a ouvi-lo falar, a escutar os seus trocadilhos de fino e inteligente humor.
Quando apresentou a sua família reparei em algo que comentei com a Suzana: a linguagem não verbal (reparo tanto ou mais nela do que na verbal, sempre fui assim – eu não escuto as coisas; eu sinto-as) do seu filho. Os gestos da sua mão no ombro do pai. Não é apenas um Grande Professor, um Grande Colega e uma Grande Pessoa – certamente é um Grande Pai.
Toda a homenagem foi cheia de emoções e palavras que lhe são devidas, que lhe são merecidas. Eu segundo, corroboro e subscrevo a proposta do Professor Machado Pires, antigo Reitor da UAc: que se atribua o título de Professor Emérito ao Professor Ermelindo Peixoto. Nada do que ali foi dito, fosse por quem fosse, foi metáfora ou hipérbole: é verdade; é merecidíssimo. Ao longo a noite, muitas vezes me ri, muitas vezes chorei. E aplaudi, e me levantei para homenagear quem tanto merece. Foi uma noite cheia de calor humano, abrangendo funcionários, estudantes, colegas, reitores. Que bom que existem pessoas assim, que geram estes encontros, estes momentos. Que movem e fazem mover as pessoas independentemente de tudo. Que nos levam por caminhos de descoberta constantes.
O Professor Ermelindo Peixoto pode aposentar-se mas sei que não o deixarei, a UAc não o deixará.
E eu, a quem a palavra e a situação de aposentadoria criam calafrios de horror, quase tive vontade de chegar a minha vez. Só para ver se tenho uma festa tão linda.
Obrigada Senhor Professor! Muito obrigada!

Ponta Delgada, 10 de setembro de 2017

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