sábado, 4 de junho de 2016

Um pontapé de saída por causa de "A Vida no Campo", de Joel Neto

Há livros que me fazem querer ir mais cedo para a cama para os ler. Este também.
Mas que me tenha feito o que este fez, não me recordo: levantar-me.
Aos sábados vou tendo a fantasia de acordar mais tarde, de poder ficar mais tempo na cama. Raramente o consigo.
Mas hoje saltei da cama para fora. Por causa deste livro.
Fiquei presa á escrita de Joel Neto depois de “Arquipélago”. Como todos que o leram.
Porém, “A Vida no Campo”, para mim, está a ser diferente.
O livro divide-se nas estações de um determinado ano.
Para todas as pessoas, 2014-2015.
Para mim, a fronteira brutal que dividiu a minha vida no “antes” e no “após”.
Assim, a par de toda a arte do escritor, eu vou revivendo a minha vida de 50 anos e “aquele ano”.
Não imaginava isto quando quis logo comprar e ler “A Vida no Campo”– a maioria dos livros que leio são comprados meses, alguns anos, antes. Raros são os que como este chegam e vêm imediatamente para as minhas mãos.
Basicamente eu não sabia o que me estava a chegar. Do escritor, em termos de livros, a minha referência é “Arquipélago”. Não contava com a revolução que este livro em poucas horas me está a fazer.
Vou relê-lo várias vezes, o que raramente faço e, quando o faço, é muito tempo depois. Muitos anos, que eu já tenho mais de 50.
Mas terei de reler este de seguida. E eventualmente de seguida. Esta primeira é a leitura normal de devoradora de livros ou de “rato de biblioteca” como algumas pessoas me chamam, umas carinhosamente, outras nem tanto. Chamem à vontade que é o maior elogio que me fazem (nada a ver com a “dentes de coelho” ou a “bucha-estica” que já me chamaram). Pronto, e o efeito “A Vida no Campo” já começou. Comecei para uma muito breve resenha sobre o livro e agora não paro de escrever. Por isso me levantei de salto da cama. E, para quem como eu, tem mau despertar e acaba a sorrir em pouquíssimo tempo ao ler determinadas frases, é dizer muito.
Vou relê-lo porque uma das coisas que me está a fazer é vontade de expressar, de pôr para fora algumas coisas, por escrito. Ainda em síndrome de stress pós-traumático (tenho dúvida se algum dia passará), Joel Neto está a provocar-me um turbilhão de sentimentos e a vontade de os escrever. Nos momentos difíceis (e muito difíceis) da minha vida, escrever tem feito parte da psicoterapia. Como sucedeu com o que deu origem ao blog  A Nossa Saga - Anemia Aplásticae que daria ao outro “A Minha Saga – Cirurgia Bariátrica” - que, depois de todo o sucedido, foi encerrado por não conseguir escrever sobre isso como esperava. Nem pouco mais ou menos – nada! Planeava que fosse um espaço de partilha do que é normal nestas situações, experiências de uma dorzita a receitas de culinária para bariátricos. Não tive nem tenho coragem de fazer um blog para gastrectomizados totais em síndrome de stress pós-traumático. Assim, não há blog para ninguém.
Ou seja, o que planeio agora não é escrever sobre esse ano. Eventualmente surgirá uma nota ou outra, uma frase ou outra, mas ao ler este livro vêm-me turbilhões de vivências (o que é diferente de experiências) de uma vida que parece ter sido outra e que tenho de reconstruir. Como as pedras dos serrados que o escritor descreve.
Faz parte do “efeito A Vida no Campo”, um livro que parece que veio para uma catarse necessária. Ou para me ajudar a decidir que chegou o momento de começar a pôr para fora. Estava decidida que tinha chegado o de começar a escrever memórias profissionais. Escrever memórias assusta, parece que estamos para morrer. Mas pensando bem, dois génios que conheço, escrevem as suas mais jovens do que eu – Camilo Blanes Cortés, quando ainda não tinha 40 anos, e Joel Neto, que nasceu 10 anos depois de mim. Então, talvez se escrevam memórias quando nos dá vontade ou temos necessidade. Simplesmente isso.
Agora parece que necessito de ir mais além. Não vou escrever um livro. Vou fazer terapia, revisitar-me a mim mesma, tentar apanhar os pedaços de mim que andam por aí. Creio que apenas a minha vida profissional teve uma “interrupção, o programa segue dentro de momentos” e, ainda que 9 meses depois do planeado, peguei o fio á meada. Por isso é o meu alicerce básico. De resto, nada ficou igual. Absolutamente nada.
Vou escrever porque como um astrólogo (astrólogo, não um charlatão como tantos que há neste país) me disse há anos, pela posição e aspetos de determinados planetas, incluindo Mercúrio, na minha carta astral, eu tenho necessidade de escrever. Mas isso faz parte de outra história que talvez venha a talho de foice. Ou talvez não.
E este livro ao fazer-me reviver a minha infância e a ilha onde nasci, traz o “bónus” do ano fronteira da minha vida, disparando um turbilhão de vivências e de sentimentos. Vou escrever por causa dele. Sei que vou chorar. Mas também vou rir. E vou ficar perturbada. Mas a isso chama-se vida. E a vida agarra-se pelos cornos. Ainda que eu neste momento não saiba onde estão os cornos ou as patas. Mas “até ao rabo é boi”. E pronto, cá faltava a tauromaquia para estabelecer a terceirense de nascimento e aculturação que sou.
Há livros que mudam a nossa vida. Ou alguma coisa na nossa vida (também não é necessário ser tão dramática!). Este está a ser um deles. E ainda não acabei, mas não faltará muito que não se consegue parar.
A minha ida à Terceira, a uns dias das sanjoaninas, está planeada há alguns meses. Tem a ver com as saudades da terra, das toiradas mas, sobretudo, das pessoas. E de mim mesma. Ou seja, não é uma consequência de ler agora “A Vida no Campo”. Mas que devo ir com outros olhos e disposição, devo ir.
Voltando a que vou começar a escrever, neste momento sinto que será uma salgueirada, de não saber onde termina a minha opinião sobre o livro e começam as minhas vivências. E estou aqui a pensar, guardo onde? No ficheiro dos livros ou noutro que iniciarei de “Memórias”? E, se publicar, é no Goodreads e no meu grupo “  Livros. A Paixão de ler 2 (o primeiro foi para a história), nas “Notas” ou começo um blog? E porque será que tenho que arrumar tudo em armários ou gavetas, bem arrumadinho??? Estas coisas, porque não se queira saber como são os meus armários e as minhas gavetas. E a minha biblioteca. E a secretária. Sou daquelas pessoas que só me organizo no que para os outros é desorganização. E nem tentem mexer e tentar organizar!!!! Pronto, agora nunca mais acabo.
Calma.
Um dia de cada vez. Uma hora de cada vez. Um minuto de cada vez.
Como parece que terei aprendido já. Ou talvez não.
Fica a promessa para mim mesma: vou reler “A Vida no Campo” várias vezes. Está cheinho de post its amarelos. Mas é melhor juntar um caderno de apontamentos. É mais seguro do que post its. E mais definitivo. Os post its devem ser como as próteses – são falsos porque caem e ficamos com buracos que levam a decisões mais definitivas e sem saber onde estamos.
Na verdade, depois de andar a girar comigo para onde eu for como nesta primeira leitura, este livro não vai para as estantes da minha biblioteca. Fica na mesinha de cabeceira. Para me orientar na desorganização de escrever sobre os meus fragmentos de vida. Para me animar quando acordo ou me fazer chorar quando necessitar e não conseguir.
Fará parte dos grandes livros da minha vida.
Ainda não sei se vou escrever todos os dias ou só quando me der vontade. Mas penso que, tal como sucedeu no blog, devo fazê-lo diariamente, a mais ou menos à mesma hora. Claro que não vou fazer literatura (salvo seja! ainda ontem me aconselharam a mudar uma frase de um programa de uma unidade curricular porque não estava bem percetível – escrever na minha profissão é completamente diferente de escrever criativamente e os meus estudantes bem o sabem que não paro de lho dizer). Ou seja, eu não sou escritora, nem tenho pretensões a isso. Necessito de o fazer, por motivos profissionais (escrita científica e algo estéril) e pessoais (escrita anárquica, a que eu gostaria de chamar criativa mas não me atrevo, nem o sei). Só isso. Talvez devesse fazer um curso de escrita criativa. Não conheço outro termo. Parece que está na moda, além de que eu gostava de escrever melhor. Como gostava de escrever e falar espanhol mais aperfeiçoadamente. Mas não tenho tempo para fazer estes cursos. De modo que sairá o que sair. Com um certo preciosismo e tentando não ser pretensiosismo (e se for qual é o problema, sou humana!), ainda que a minha professora de português do 2º ano do Curso Complementar dos Liceus da área de Letras (a exigência era diferente do que nas Ciências) me incentivasse frequentemente nos trabalhos e testes a “não parar de escrever” com base em feedback muito incentivador sobre o que eu escrevia, vou escrever porque a minha mente e o meu coração necessitam disso e duvido que vá divulgar tudo. Ainda que o faça, claro. Porque escrever e arrumar, escrever e arrumar para si mesmo é como fazer algumas coisas (estou a lembrar-me de cada uma!!!!) sozinho que não fazem sentido, porque há coisas que só fazem sentido em conjunto ou partilhadas.

Já vou com 3 páginas. Nem que seja só por isto, é altura de parar por agora. De parar de bater a massa e lhe dar forma. Resta saber qual. Conversa de gordo. Que isso quem o foi nunca deixa de o ser.

2 comentários:

  1. Querida Paula, simplesmente maravilhoso. Adorei ler o que escreveste e, para além disso, motivaste-me para a leitura do livro. Parabéns, escreves muito bem e deves continuar. Eu até diria publicar um dia. Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada.
      Sensibilizou-me imenso
      Só tenho pena de não saber quem é. Se não desejar que se saiba quem é publicamente pode escrever-me em privado. Grata!

      Eliminar