28 de junho de 2016 (7:05)
E a culpa é minha.
Ou quase…
… Fui a última pessoa a fazer o check in e não sei porque
carga de água meti na cabeça que o voo era às 8 horas. Pus o despertador para as
5:30 porque detesto chegar atrasada seja onde for e estávamos a sair bastante cedo
de casa. Ainda tirei uma foto à única barraca que ficou preservada na Base para
amostra. Quando cheguei e me dirigi ao balcão chamaram-me logo e disseram-me
que estavam a fechar o voo. Que susto e que vergonha! Quando pedi desculpa o
funcionário, simpático, disse que se via que era genuíno e eu não me tinha atrasado
por desleixo. Parece que há atrasados profissionais.
O avião levanta. A senhora ao meu lado benze-se três vezes. Eu
tenho que ver a Ermida de Nossa Senhora do Ar. Sempre foi assim.
Há algo neste momento de take off quando estou de visita a
um lugar que mede o prazer que tive e a saudade que terei. É uma ternura no
peito e um nó na garganta. Esta sensação faz-me certificar que tenho de voltar
depressa. Seja pelas pessoas, pela paisagem, pelos cheiros, antes, pela comida.
Aqui, é por tudo. Fica um pedaço de mim e levo muitos de todas as pessoas, da
ilha. De novo, não compreendo a estúpida rivalidade entre as terras. Ou melhor,
compreendo, mas lamento. Há tanto na complementaridade das diferenças
(Angra/Praia; Lisboa/Porto, Terceira/São Miguel) que só enriquece todos os
seres humanos. Há verdadeiros dispêndios de energia que poderiam e deveriam ser
canalizados para aspetos produtivos. Mas é humano e possivelmente acontece em
todos os lugares. Entre Madrid e Barcelona, por exemplo, atinge níveis bem mais
elevados. Mas eu quero estar à parte disso. Então entre as duas ilhas que
adoro, uma por umas coisas, outra por outras, é-me muito incomodativo. Talvez
tenha a ver com esta minha capacidade de amar muito, duas ou mais pessoas, duas
ou mais coisas. O amor multiplica, não divide. Possivelmente eu também incomodo
outras pessoas com esta minha maneira de ser. Temos pena. Eu sou assim!
Depois de fazer o check in só queria chegar ao avião. Saber
que me esperam é uma sensação desagradável.
Despedi-me da Almerinda mesmo ali no balcão e depois
voltei-me para lhe dizer adeus e pegar na sua imagem para levar comigo, mas
queria entrar logo para o avião. Está bem! A lentidão nos procedimentos de
segurança quase me desesperava. Devagar e devagarinho… E recordei que aqui os
ritmos são diferentes, ainda que eu sempre tenha sido acelerada. Mas os meus
genes não são daqui… Em São Miguel temos mais pressa em tudo. Depois, a
assistente de terra, uma simpatia, um grande sorriso. Sem pressas. Afinal, mais
três ou quatro pessoas atrás de mim. Sem pressas.
Ontem foi de novo um dia intimista, aconchegante. Almoço com
a Graça e a Almerinda. Não importa o que comemos, pois arranjámo-nos com o que
havia, ou seja, qualquer coisa, pois o prato do dia já acabara. O horário de almoço
é as doze e chegámos às treze. É algo a que nunca me habituei em São Migue: a
hora de almoço às doze e trinta. Para mim continua a ser ao meio-dia, quando a
sirene da Base, a parte portuguesa e a parte americana, cada uma com a sua,
tocavam para o almoço. Eu preferia o som da portuguesa. Um projeto e uma
promessa que vou tentar cumprir. Assim Deus me dê vida e saúde. Porque a vida
passa demasiado depressa, foge-nos e quando damos por nós (se dermos), estamos
do lado de lá. Projetos para já, outros para mais além, que a seu devido tempo serão
divulgados, primeiro, a quem de direito. Porque também reforçámos o que sabemos:
que não existe nada mais importante do que a amizade. Estas amizades que são de
uma vida, tão especiais, ainda mais. Sem desprimor para as mais recentes,
algumas extraordinárias e que entesouro na minha vida e coração. Sabemos que os
anos passam e estamos lá. Na infância têm um significado, na juventude outro,
na idade adulta, outra e na meia idade (pode ser um pouco mais, mas também fiquemos
por este estadio, não abusemos), ainda outro. Cada qual com a sua beleza e importância.
Mas também queremos vivê-las, não é só saber que estão lá. Os filhos crescem e
seguem as suas vidas. Tudo o que não quero é ser-lhes um peso. A vida profissional
tem o seu ritmo. Mas não se perde se, bem gerido, pararmos para respirarmos
fundo. Antes pelo contrário. Aliás, isto eu sempre o soube. Exceto no 1º ano da
minha formação profissional em Enfermagem em que me fechei em casa a estudar e
não fui um único dia às Festas da Praia (creio que tinham outro nome), o que
foi acertado na altura, nunca deixei de fazer outras coisas e nos poucos casos
de insucesso (a desistência da tese do meu primeiro mestrado que já não me
fazia sentido e um primeiro doutoramento em que fiquei apenas com a parte
curricular) não foi o sair e o divertir-me que me levou às decisões. Retifico:
não foram insucessos. Foram escolhas, passos atrás para ganhar balanço. Até
hoje não me arrependi por muito que incomodasse algumas pessoas. Um dia talvez
volte ao assunto mas os incomodados foram os outros. Nunca deixei de exercer s
minhas funções e aquilo a que me tinha comprometido, inclusive às minhas
custas, económicas, cognitivas, metacognitivas e emocionais. Portanto, ponto.
Respeito mas não admiro quem tem uma vida certinha, uma linha
reta. Nunca tive nem a quero. Preciso de desafios e de adrenalina. Controlados.
Também não é necessário caos. Com este não sei viver e tenho depois de andar a
juntar os pedaços de mim. Menos!
O avião faz a aproximação ao “Aeroporto João Paulo II, na
ilha de São Miguel, onde a Lagoa das Sete Cidades é uma das Sete Maravilhas de
Portugal”. A frase, repetida nos voos da companhia açoriana, parece-me sempre
algo descontextualizada, estranha e forçada.
Esta aproximação é frequentemente, algo turbulenta. Há uns
anos, para mim, seria muito turbulenta. Tinha-lhe horror porque tinha horror de
viajar de avião, após um susto quando estava grávida do meu filho mais novo.
Como “menina da Base” viajei sempre muito e com enorme prazer, por vezes MUITO
prazer, de avião. Mas esse susto fez-me refrear e estive anos sem sair dos
Açores – apenas voava nos aviões da Força Aérea de que não tinha medo (afinal,
foram o meu jardim de infância, literalmente, pois a minha mãe trabalhava na
linha da frente). Custou-me muitos voos, projetos e Xanax. Até que descobri que
ou me metia num avião comercial ou morria estúpida. A escolha foi óbvia. Ver a
asa aparentemente quase bater na água e o nariz afunilar ao mar dá um nó no que
já não tenho. Faz parte. Como aprendemos a relativizar tudo e determinados
medos (voos e lagartixas, por exemplo) encontram a sua gaveta e ficam lá.
(7:35)
Aterrou. Fecho os olhos e travo com os meus pés.
Continuo a preferir estes aviões aos Avro onde passei o
supra referido susto.
Até já!
Como sempre, um forma de escrever que adoro ler e conteúdos muito interessantes, muito bem descritos e refletidos. E que também fazem pensar quem os lê. obrigada Paula pela partilha
ResponderEliminarObrigada eu, amiga!
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