quarta-feira, 29 de junho de 2016

Até já, Terceira!



28 de junho de 2016 (7:05)
O avião está a sair com 5 minutos de atraso.
E a culpa é minha.
Ou quase…
… Fui a última pessoa a fazer o check in e não sei porque carga de água meti na cabeça que o voo era às 8 horas. Pus o despertador para as 5:30 porque detesto chegar atrasada seja onde for e estávamos a sair bastante cedo de casa. Ainda tirei uma foto à única barraca que ficou preservada na Base para amostra. Quando cheguei e me dirigi ao balcão chamaram-me logo e disseram-me que estavam a fechar o voo. Que susto e que vergonha! Quando pedi desculpa o funcionário, simpático, disse que se via que era genuíno e eu não me tinha atrasado por desleixo. Parece que há atrasados profissionais.
O avião levanta. A senhora ao meu lado benze-se três vezes. Eu tenho que ver a Ermida de Nossa Senhora do Ar. Sempre foi assim.
Há algo neste momento de take off quando estou de visita a um lugar que mede o prazer que tive e a saudade que terei. É uma ternura no peito e um nó na garganta. Esta sensação faz-me certificar que tenho de voltar depressa. Seja pelas pessoas, pela paisagem, pelos cheiros, antes, pela comida. Aqui, é por tudo. Fica um pedaço de mim e levo muitos de todas as pessoas, da ilha. De novo, não compreendo a estúpida rivalidade entre as terras. Ou melhor, compreendo, mas lamento. Há tanto na complementaridade das diferenças (Angra/Praia; Lisboa/Porto, Terceira/São Miguel) que só enriquece todos os seres humanos. Há verdadeiros dispêndios de energia que poderiam e deveriam ser canalizados para aspetos produtivos. Mas é humano e possivelmente acontece em todos os lugares. Entre Madrid e Barcelona, por exemplo, atinge níveis bem mais elevados. Mas eu quero estar à parte disso. Então entre as duas ilhas que adoro, uma por umas coisas, outra por outras, é-me muito incomodativo. Talvez tenha a ver com esta minha capacidade de amar muito, duas ou mais pessoas, duas ou mais coisas. O amor multiplica, não divide. Possivelmente eu também incomodo outras pessoas com esta minha maneira de ser. Temos pena. Eu sou assim!
Depois de fazer o check in só queria chegar ao avião. Saber que me esperam é uma sensação desagradável.
Despedi-me da Almerinda mesmo ali no balcão e depois voltei-me para lhe dizer adeus e pegar na sua imagem para levar comigo, mas queria entrar logo para o avião. Está bem! A lentidão nos procedimentos de segurança quase me desesperava. Devagar e devagarinho… E recordei que aqui os ritmos são diferentes, ainda que eu sempre tenha sido acelerada. Mas os meus genes não são daqui… Em São Miguel temos mais pressa em tudo. Depois, a assistente de terra, uma simpatia, um grande sorriso. Sem pressas. Afinal, mais três ou quatro pessoas atrás de mim. Sem pressas.
Ontem foi de novo um dia intimista, aconchegante. Almoço com a Graça e a Almerinda. Não importa o que comemos, pois arranjámo-nos com o que havia, ou seja, qualquer coisa, pois o prato do dia já acabara. O horário de almoço é as doze e chegámos às treze. É algo a que nunca me habituei em São Migue: a hora de almoço às doze e trinta. Para mim continua a ser ao meio-dia, quando a sirene da Base, a parte portuguesa e a parte americana, cada uma com a sua, tocavam para o almoço. Eu preferia o som da portuguesa. Um projeto e uma promessa que vou tentar cumprir. Assim Deus me dê vida e saúde. Porque a vida passa demasiado depressa, foge-nos e quando damos por nós (se dermos), estamos do lado de lá. Projetos para já, outros para mais além, que a seu devido tempo serão divulgados, primeiro, a quem de direito. Porque também reforçámos o que sabemos: que não existe nada mais importante do que a amizade. Estas amizades que são de uma vida, tão especiais, ainda mais. Sem desprimor para as mais recentes, algumas extraordinárias e que entesouro na minha vida e coração. Sabemos que os anos passam e estamos lá. Na infância têm um significado, na juventude outro, na idade adulta, outra e na meia idade (pode ser um pouco mais, mas também fiquemos por este estadio, não abusemos), ainda outro. Cada qual com a sua beleza e importância. Mas também queremos vivê-las, não é só saber que estão lá. Os filhos crescem e seguem as suas vidas. Tudo o que não quero é ser-lhes um peso. A vida profissional tem o seu ritmo. Mas não se perde se, bem gerido, pararmos para respirarmos fundo. Antes pelo contrário. Aliás, isto eu sempre o soube. Exceto no 1º ano da minha formação profissional em Enfermagem em que me fechei em casa a estudar e não fui um único dia às Festas da Praia (creio que tinham outro nome), o que foi acertado na altura, nunca deixei de fazer outras coisas e nos poucos casos de insucesso (a desistência da tese do meu primeiro mestrado que já não me fazia sentido e um primeiro doutoramento em que fiquei apenas com a parte curricular) não foi o sair e o divertir-me que me levou às decisões. Retifico: não foram insucessos. Foram escolhas, passos atrás para ganhar balanço. Até hoje não me arrependi por muito que incomodasse algumas pessoas. Um dia talvez volte ao assunto mas os incomodados foram os outros. Nunca deixei de exercer s minhas funções e aquilo a que me tinha comprometido, inclusive às minhas custas, económicas, cognitivas, metacognitivas e emocionais. Portanto, ponto.
Respeito mas não admiro quem tem uma vida certinha, uma linha reta. Nunca tive nem a quero. Preciso de desafios e de adrenalina. Controlados. Também não é necessário caos. Com este não sei viver e tenho depois de andar a juntar os pedaços de mim. Menos!
O avião faz a aproximação ao “Aeroporto João Paulo II, na ilha de São Miguel, onde a Lagoa das Sete Cidades é uma das Sete Maravilhas de Portugal”. A frase, repetida nos voos da companhia açoriana, parece-me sempre algo descontextualizada, estranha e forçada.
Esta aproximação é frequentemente, algo turbulenta. Há uns anos, para mim, seria muito turbulenta. Tinha-lhe horror porque tinha horror de viajar de avião, após um susto quando estava grávida do meu filho mais novo. Como “menina da Base” viajei sempre muito e com enorme prazer, por vezes MUITO prazer, de avião. Mas esse susto fez-me refrear e estive anos sem sair dos Açores – apenas voava nos aviões da Força Aérea de que não tinha medo (afinal, foram o meu jardim de infância, literalmente, pois a minha mãe trabalhava na linha da frente). Custou-me muitos voos, projetos e Xanax. Até que descobri que ou me metia num avião comercial ou morria estúpida. A escolha foi óbvia. Ver a asa aparentemente quase bater na água e o nariz afunilar ao mar dá um nó no que já não tenho. Faz parte. Como aprendemos a relativizar tudo e determinados medos (voos e lagartixas, por exemplo) encontram a sua gaveta e ficam lá.
(7:35)
Aterrou. Fecho os olhos e travo com os meus pés.
Continuo a preferir estes aviões aos Avro onde passei o supra referido susto.

Até já!

2 comentários:

  1. Como sempre, um forma de escrever que adoro ler e conteúdos muito interessantes, muito bem descritos e refletidos. E que também fazem pensar quem os lê. obrigada Paula pela partilha

    ResponderEliminar